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23.2.06 

Flores (Lisboa)

Flores, com sorte


A regularidade é das maiores qualidades de um restaurante. A cafetaria da Bica do Sapato é sempre boa, o Espaço Lisboa é sempre mau – e o freguês sabe ao que vai.
No Flores, não sabe.
Nem sabe o crítico o que dizer quando come razoavelmente numa visita, mal noutra e muito bem noutra.
As más notícias primeiro.
Um cappuccino de cogumelos sensaborão, verdadeiro nonsense, filho de um “vamos fazer uma espuma e dar-lhe um nome cool” – esquecendo que uma ideia “gira” dá quase sempre um mau prato. Um lombo de porco (preto claro, haverá ainda em Portugal porcos de outras cores?) que conseguiu a proeza de estar encruado e ressequido. Um robalo que o compensava, de tão sobrecozinhado que vinha, igualmente sem graça. As explicações esfarrapadas e nasaladas da chefe de sala... Enfim! Era de não ter voltado mais, não fosse o dever de ofício. Há males que vêm por bem.
Ao jantar, a carta é diferente (mais cara, mais constante – muda apenas trimestralmente, ao almoço semanalmente), com a execução técnica mais rotinada, apoiada na sala por empregados que conhecem e explicam os pratos, com simpatia, confiança e atrevimento q.b.
Nas entradas, cannelloni de açorda de marisco, de sabor e consistência perfeitos, com vieiras a cavalo e um camarão ao lado sem ser para enfeitar. O trio de sopas fez esquecer o cappuccino, agora com as combinações (aipo - maçã, cenoura - gengibre e couve-flor – foie gras) coerentes e de valor acrescentado. Nos pratos, um excelente risotto de marisco (o risotto, tal como os pastéis de bacalhau, ou está excelente ou está péssimo, e é das melhores maneiras de saber se quem está aos fornos sabe cozinhar); depois, tagliatelle de pato e boletus, franco e delicioso; uma boa garoupa com escamas de batata em cama de abacate e chutney de manga, sem estar excelente, e um lombo de charolês fatiado com legumes asiáticos interessante.
Nas sobremesas, não há falhas: sorvete de melão, gelados de manga e de papaia, a lembrar que em Portugal são raros os gelados ou sorvetes caseiros e bons; uma tarte de chocolate equatoriale com gelado de tomilho a fugir da banalidade das tartes de chocolate e a combinar bem, uma panna cotta de baunilha em macerado de morangos, com uns especímenes inteiros a ladear o prato (lívidos do frio de Fevereiro...) - o equivalente ao Boca Doce de baunilha da alta cozinha - e um crème brûlée com erva limeira e framboesa, de textura natosa.
Depois de um início atribulado com uma chefe (Leonor Manita) que “não correspondeu”, na versão oficial da casa, o restaurante acertou ao dar a cozinha a Henrique Sá Pessoa (dizem que o sub-chefe não é menos bom). Mas não será a carta semanal dos almoços um passo demasiado arriscado e, até, inútil?
O restaurante Flores é adolescente, mas não aborrescente, sem ter ainda a identidade definida. Não sabe se quer ser um restaurante de hotel (no qual a estrangeirada não repete nem compara, ainda com o palato embotado do jet lag, e muitos dos nacionais estão mais preocupados em ser vistos e saborear, e até trincar, a companhia do que as iguarias do chefe), ou se quer apenas ser um restaurante num hotel. E não ajuda à crise identitária chamar-se Flores no Bairro Alto Hotel, e não ser nem na Praça das Flores, nem no Bairro Alto. O Flores verdadeiro é o do robalo empapado, ou o do excelente risotto de mariscos? Vale zero, ou vale duas estrelas? À cautela, vale uma.
Se o Restaurante Flores não estabiliza a qualidade, é caso para dizer que devia passar a ser tutelado pela Inspecção-Geral de Jogos, tal o papel da sorte na qualidade do repasto. É que não há uma segunda oportunidade de causar uma primeira impressão.




Melhor: Risotto de mariscos, as sobremesas.
Pior: A falta de regularidade.
Pontuação: * (Bom)
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
Flores, Praça Camões, n.º 8, Lisboa (Bairro Alto Hotel), 213 408 252, 12h30 - 15h00; 19h30 - 22h30 (23h30 Sexta e Sábado), não encerra, cartões débito e crédito, 50€/pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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