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6.4.06 

Painel de Alcântara (Lisboa)

A Grande Loja do Cozido


Painel de Alcântara é sinónimo de cozido à portuguesa. Ingrata tarefa, a de concorrer com as nossas mães e avós. E se o campeonato é este, o Painel consegue a manutenção, mas não vai à Europa. Opinião contrária parece, contudo, ter a multidão que enche o esquálido espaço para sonoramente, no limiar da boçalidade, devorar travessas fumegantes. Uma espécie de clube do cozido. Quase secreto.
No Painel, toda a gente é íntima dos empregados, dos outros comensais e dos donos.
É que ninguém vai ao Painel de Alcântara por acaso. Numa das zonas mais feias de Lisboa (entre a Calçada da Pampulha e a Av. de Brasília), a lembrar o pior de Valência, numa viela sem estacionamento, numa escura porta escondida, protegida por grades, e com um letreiro apagado, lá está o templo do cozido à portuguesa. Destino assíduo de famílias tradicionais ao fim de semana, barrigudos homens de negócio à semana, e de alguma da nata bem pensante-falante, que diz sempre bem dos restaurantes tasqueiros ao pé do emprego, onde é (re)conhecida pelo título honorífico. Topa-se ainda um considerável e surpreendente número de jovens casais. Decisão do macho alfa, está-se a ver pelo espantado “mor isto é que é o Painel!?”, enjoo que refina quando chega o cozido: “para mim só couvinha e feijão. Tá?”.
Abre com um bom presunto (espanhol, claro) e um bom queijo. Pena que os enchidos do cozido não sejam das mesmas famílias.
Na mesa, a anti-nouvelle cuisine em travessa de inox: um amontoado de couves, nabos, cenouras e batatas enevoadas, com orelheira, chispe, carne magra.... a que se junta feijão e arroz negro, amorcelado, servido por empregados eficientes e muito bem dispostos. Acompanha um prato de enchidos, de qualidade industrial.
O cozido do Painel, custa dizê-lo, é demasiado banal, pouco diferente de tantos restaurantes de almoço, daqueles com toalhas de papel esquinadas coladas ao vidro à quarta-feira, com um “hoje à cozido” a marcador encarnado.
Mas por que será tão difícil comer um bom cozido?
O cozido é um belíssimo prato, ideal para se ver a qualidade do terroir – e das poucas oportunidades de se comer arroz com batatas, ambos cozidos na água das carnes,
Neste prato de criatividade zero, de pouco vale o cozinheiro se a couve é rija ou o porco sabe a xixi (o que não aconteceu no Painel). O truque está na proveniência da carne, do fumeiro e dos verdes. É por isto que o cozido em casa é melhor do que o dos restaurantes, que poupam nos bons materiais - que em qualquer caso já são difíceis de encontrar.
Depois, para maldizer de cada cozido, há o factor-capricho. Tal como qualquer português escolheria uma melhor selecção que a do Scolari, também qualquer um faria um melhor cozido do que aquele que lhe servem. Por exemplo, eu não gosto de galinha no cozido (na Maria de Lourdes Modesto, o cozido da Estremadura não tem, mas tem-na o de Trás-os-Montes) e no do Painel não vem ave. Mas gosto de toucinho, que não havia, e de carne de vaca com gordura, que não tinha. Gosto também do feijão, mas em pequenas quantidades, que cozido não é feijoada. Também prefiro o arroz solto, ligeiramente amanteigado, sem morcela. Há até quem ponha azeite no cozido (também há quem ponha gelo no vinho....). E nisto do gosto-não-gosto, a casa fica sempre em desvantagem.
No Painel, quem não quiser cozido tem meia de arroz de tamboril, razoável na cozedura do arroz e bom nos camarões, e muitos outros pratos que não são do dia e que ninguém parece pedir.
No fim, boa mousse de chocolate, vera, amanteigada, profunda, forte. Leite-creme mau, demasiado tostado, e sem finesse por debaixo da crosta, tipo arroz doce sem arroz. A pêra não só era bêbada, mas também diabética, tal o teor de glucose.
O Painel é um restaurante sério, de gente séria, com preços sérios. Sobretudo mostra que um prato pouco sexy e pouco saudável, confeccionado com ingredientes banais, pode manter uma casa cheia há 20 anos. O que dá que pensar.


Melhor: A seriedade e o queijo de entrada.
Pior: Os enchidos do cozido.

Pontuação: Sem estrela
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)

Painel de Alcântara, Rua do Arco (Alcântara), 7, Lisboa, 213 965 920, 12h00 – 15h30; 19h30 – 24h00, encerra Domingos, não aceita cartões, 18€/pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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