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21.4.06 

Albatroz (Cascais)

Algo atroz

Portugal tem ainda pouca tradição de cozinha sofisticada e quase nenhuma imprensa especializada séria. Por isso, no micro meio gastronómico luso é fácil emprenhar pelos ouvidos. Foi o que aconteceu no caso do restaurante do Hotel Albatroz, sob a consultoria do “chefe” José Avillez. Ele era a “revelação”, a “descoberta”, o “jovem chefe mais promissor”, “o talento”, o ”aprendiz de Troisgros” (Claude, o brasileiro). Ele era tudo. A comida do Albatroz é que não é nada. Excepto no preço.
O espanto com que a reserva telefónica foi recebida e a sala completamente vazia à chegada foram prenúncios de uma refeição falhada. E era Sábado! Ao jantar!
Sozinhos na sala, com o letreiro do Jumbo de Cascais em fundo, dei a vista de mar às minhas amigas. Azar: parece que os vidros estavam pouco límp(id)os.
Num palco vazio, empregados mudos servem uma carta que não explicam e que desconhecem. A clientela, sempre mais sábia do que os sabores vendidos nos comunicados de imprensa e nas revistas de estilos de vida, tinha ficado em casa. Não quis comida de hotel, a preços de hotel, em ambiente de hotel.
O enfado começa com o que parecia uma lula panada num pau de espetada (que presumo que se chamasse tempura qualquer coisa.... mas que nenhum empregado conseguiu ou quis explicar), em cima de uma salada choca, de tanto aboborar no azeite e vinagre.
Depois, as entradas. Vieiras salteadas em espuma de batata. Isso mesmo, espuma de batata. Um nonsense, tipo pirão de Maquela do Zombo, a colar-se às vieiras, estragando-as, sendo que tinham já um travo agre pouco usual.
O foie gras (fresco) salteado com pêssego (seria alperce?) estava abaixo do que devia. É difícil substituir a maçã como acompanhamento do dito – ao pêssego falta agudeza na acidez e aquela textura que na fruta só a maçã consegue, ideal para cortar os fígados (parece que a maçã foi reposta na nova carta).
Depois, umas folhas de espinafre com mascarpone e pinhões, umas bolinhas bem conseguidas, com os pinhões tostados. O melhor prato, que era uma entrada.
Havia ainda uma santola recheada, que mais parecia vinda da montra de uma das decrépitas cervejarias das Portas de Santo Antão.
Nos peixes, salmonete assado com gnocchi de azeitona, que soam melhor do que sabem, com rúcola salteada (na carta, que no prato ia jurar serem canónigos),
O bacalhau fresco, sem querer ficar na história, vinha com um puré de grão que ficou pelas piores razões na boca. Não basta lascar bem, para ser um bom prato de bacalhau. E o puré de grão estava enjoativo. A não ser que o objectivo fosse fazer bacalhau com hummus, numa espécie de “pratos de bacalhau pela paz no médio oriente”.... Aliás, este puré de grão, com dois grãos inteiros a enfeitar, é o exemplo de como não se deve inovar, provando que a desconstrução, ou reinvenção, de um prato tradicional só pode ser tentada com muita rede – senão é a morte do artista.
O desfile de pratos apáticos continuou.
A presa de porco preto, ressequido, com batata era pouco mais do que isso mesmo e as batatas em cubos pequenos a um passo de estarem boas. O carré de borrego, acompanhado de tartelette (chamada folhado) de ervilhas e hortelã, bonito aos olhos e de sabor normal, com algum travo de enfado na tartelette....
Sobremesas: a banalidade atrevida. Com açúcar.
O fofo de chocolate (que nome...) gooey no meio estava bom. É uma sobremesa com difusão rápida na escala moussedemanga, que mede a velocidade da proliferação de sobremesas não tradicionais e de baixo food cost. Estes bolos quentes ou tépidos de chocolate estão para os restaurantes com pretensões como o bolo de bolacha para os dotes culinários das meninas de dezasseis anos: um tiro sempre certo.
Crocante de amêndoa com sorvete de limão e uma tarte de maçã entediantes...
Mau mesmo foram os bolinhos de castanha com ananás grelhado. Tinham tanto óleo que não sei se comi farturas se rissóis. E já agora, alguém que avise o consultor ou o chefe que castanhas em Abril é muito pouco saison...
A comida do Albatroz está ao nível de um casamento com mau catering, passe o pleonasmo: o que é novo não é bom e o que é bom não é novo. Tanto barulho para nada.



Melhor: Folhas de espinafre com mascarpone e pinhões.
Pior: A mediania pretensiosa dos pratos a preços elevados.
Pontuação: Sem estrela
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
Albatroz, Rua Frederico Arouca, 100 (Hotel Albatroz), Cascais, 214 847 380, 12h00 – 15h00; 19h30 – 22h00 (!!), não encerra, aceita cartões, 60€/pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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