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5.5.06 

Charcutaria (Lisboa)

A Charcutaria é fina!

Há restaurantes que são como voltar à casa da mãe. A Charcutaria na Rua do Alecrim é assim. Um regresso à cozinha essencial, no limiar da execução perfeita, a saber ao mesmo em qualquer dia de qualquer ano.
Numa altura em que cozinha criativa parece ter passado a sinónimo de comer bem, não há maior conforto do que os restaurantes que mantêm a sua imaginação ao nível do sentido de humor do José Carlos Malato.
A Charcutaria é dos melhores restaurantes do país. Sem inventar, com pratos tradicionais em excelente elaboração técnica. O serviço é dócil, bonito e exótico, com empregadas competentes.
Na mesa, são postas entradas, boas e variadas: favinhas, um bom paté, uma bela tomatada fria (um bom acompanhamento para pratos fortes?), polvo de vinagrete e bons enchidos. Entradas que combinam entre si e que não enchem.
Fica no bucho e na bouche espaço para o lombo de porco com batatinhas e massa de pimentão em azeite, em fatias muito finas, mas não ressequidas. Congelarão brevemente a carne antes de a cortarem?
Há um polvo sempre muito saboroso, numa quantidade e sabor certos, regado com bom azeite.
A empada de lebre com uma massa que quebra sempre no momento exacto e a lebre no seu interior com um travo ligeiramente faisandée.
Mau foi o cabrito, já entradote na idade e com pouca carne, a quem mais valia chamar ossadas de borrego. Mas esquece-se depressa com os pezinhos de porco a derreterem na boca, misturando os coentros mesmo a tempo de cortar a náusea gelatinosa para onde nos atiram os pés.
Também se pode optar pelos bacalhaus irrepreensíveis, por umas sopas-prato para quem goste do género ou pelas migas de batata que acompanham o que nós quisermos. Uma das vantagens da Charcutaria é que reagem bem à troca de acompanhamentos e à construção de um menu degustação em que todos comem tudo.
As sobremesas, boas, alentejanas, melhores na encharcada e na tarte de requeijão, mais para o banal na sericaia (há sempre um chico-esperto pronto a explicar que se diz sericá e que é masculino porque...), que agora vem sempre com uma ameixa. Lembro-me de nos verões no Alentejo, quando vinha à metrópole, nunca ter enxergado tal combinação. Dizem-me que é invenção dos lisboetas - os patosbravos do Alentejo. A junção da ameixa doce no doce, que já o é, faz gustativamente muito pouco sentido. Claro que a rainha-cláudia sempre permite cobrar mais dois ou três oiritos pela sobremesa...
Duas bicas, a conta e zarpar. Barriga feita, companhia desfeita, que a atmosfera da Charcutaria é triste. Da soturna tranquilidade de casais pré-geriátricos para quem Viagra é modernice à indiferença sorridente de um dono que já não gasta baterias a perguntar sequer se a comida estava boa. Tudo num espaço estranho (um corredor estreito, uma sala normal e um inacreditável anexo decorado com motivos marroquinos, escuro e deslocado).
Dizem que a Charcutaria tem um irmão em Campo de Ourique, onde as vistas são mais alegres. Mas aí a comida nunca me sabe tão bem.
Sai-se da Charcutaria com dois inquietamentos: o de tardar em Lisboa um restaurante onde a decoração e o ambiente não estraguem uma excelente refeição (faz falta um/o Bull and Bear alfacinha), e o já velhinho desassossego de saber se é justo ter de pagar tanto para comer bem e ser vergado a uma lista de vinhos proibitiva.
O prazer que dá pedir uma Sagres depois de calcorrear aquele catálogo da De Beers vínica é pouco, comparado com o quase-cinismo da atitude-Charcutaria: “quem achar caro, pode sempre ir gastar os mesmos quarenta euros ali acima ao XL e ver umas tias giras”. Como uma mãe que às críticas do filho lembra que “podes sempre comer a comida feita pela tua mulher”. Não, obrigado. Havemos de voltar.


PS – Disse-me uma amiga que abriram no novo Casino de Lisboa três restaurantes, e que assinaram com o Chefe Fausto ex-Bica do Sapato para um deles. Uma excelente aquisição, que só provarei depois do Verão. Mas chamarem Átrio a um dos restaurantes é uma colagem tão óbvia quanto obscena ao biestrelado homónimo de Cáceres (de Toño Pérez). Qualquer dia ainda abrem um El Bulli no novo centro comercial da Praça de Touros do Campo Pequeno, ou um Tour d’Argent no elevador de Santa Justa...


Melhor: A qualidade da comida.
Pior: Vinhos a preços loucos em ambiente soturno.
Pontuação: **
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)

Charcutaria, Rua do Alecrim, 47-A, Lisboa, 213 423 845, 13h00 – 15h00; 19h00 – 23h00, encerra Sábado ao almoço e Domingo, aceita cartões, 40€/pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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