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19.5.06 

Luca (Lisboa)

Nova Iorque em Lisboa

O Luca é o mais recente dos poucos restaurantes nova-iorquinos de Lisboa. Espaços industriais bem recuperados, culinária estudada e uma atitude customer-based.
E Luca é um belo nome para restaurante. Um misto de memórias: lembro-me sempre do Luca Paccioli, pai da contabilidade, do Luca Brasi, do Padrinho, e do Luca que era jogador de futebol numa telenovela que as minhas filhas viam à hora do almoço.
No Luca, com um c, na R. de Santa Marta, a clientela é muito mista: de matadoras advogadas recém-licenciadas a opinarem sobre opas a melosos e sussurrantes casais gay. Há também alguns espanhóis, o que começa a ser o indício de que a comida não é má. Não é má, mas podia ser melhor.
Entrantes, que podem ser prato principal:
O frito misto, tipo tempura de camarão e feijão verde de tamanho desproporcional, ensopado em óleo, sem qualquer piada ou valor acrescentado. O carpaccio de chispe e orelha de porco que enoja os bicos mais piscos, normalmente delas, e não convence o macho, pois mais parece uma banal salada das duas coisas cortadas aos cubinhos. Uma utilização mais do que abusiva do termo carpaccio (que deve o seu nome ao pintor Vittore Carpaccio, numa cromo-metonímia dos vermelhos usados nas suas telas –referindo-se em rigor a bife cru cortado fininho, tal como vem sendo servido no Harry’s Bar desde os anos cinquenta, onde e quando foi inventado).
Um Gravlax (que é um salmão – laks - em cura de açúcar, sal e endro... um pouco diferente da explicação do simpático Gerson) com beringela, courgette e batata. O problema com este prato, que depois se verificou com outros, confirmado por outros comensais e noutras visitas, é o de um sabor a frigorífico e tupperware no final de cada garfada.
A tarte tatin com vieiras, tapenade, lima e cebola confitada estava muito boa na combinação da leveza da massa e das vieiras com a intensidadade da tapenade, com a lima bem escondida a vir dar o twang no momento certo.
A tagine de borrego com feijão branco e um toque a estragão estava muito boa. O borrego desfazia-se, a lembrar um comido à colher no “Comptoir” de Marraquexe.
Depois a desilusão: fettuccine com
ventresca de atum, que mais eram uma banal massa com lata de atum ramirez, não escorrida, toscamente misturada. E sim, eu sei o que é ventresca de atum.
Os ravioli de bacalhau estavam excelentes, numa combinação muito boa do sedoso da pasta com o interior fibroso do bacalhau, num belo caldo de parmesão com uns camarões no ponto certo de cozedura.
A lasanha aberta de queijo Taleggio, com alcachofras, tomate confitado, molho de anchovas e creme de aipo também surpreendente, com os sabores intrincados e complexos (só dispensava a alcachofra, mas é esquisitice pessoal).
Nas sobremesas, uns bons gelados, um savarin de rum que agradou a uns mas muito criticado por outros, e um coulant de chocolate, bom sem ficar para a história.
No fim, oferecem grapa como água-benta. Um gesto simpático e que não deve sair muito caro pois pouca gente aceita este baggazzo...
Esta simpatia trapalhona dos empregados roça a bajulação gratuita: mas antes os brasileiros do Luca do que os portugueses da Brasileira.
No Luca, o que verdadeiramente impressiona é que tudo é pensado, ensaiado e posto em prática sob o labor atento do dono - o Luca. Uma coisa que os restauradores portugueses só agora começaram a perceber é que o risco do negócio da restauração é substancialmente diminuído quando não se falha naquilo em se pode não falhar.
No Luca, já fizeram o mais difícil. Agora é ir melhorando a comida. E tirar o travo a tupperware de alguns pratos.


PS – Fechou o Café Império, o restaurante fetiche. Ou melhor, não fechou, foi opado como qualquer empresa que cria valor - no caso, por uma multinacional brasileira (IURD). Não se sabe se vai reabrir, mas não deve. E mesmo que reabra, o bife vai perder aquele sabor “com um final de boca lácteo persistente, com fortes aromas a ranço e caramelo, e leve toque a café” (como dissemos em 10.03.06). É que nas panelas do Império estavam os ranços eternos, qual fogo zoroastra que depois de apagado não se pode reacender.
Sem o café Império e com o café de S. Bento fechado para obras, Lisboa perdeu o seu melhor e o seu pior bife. Sem referências, ficamos entregue a uma infinita mediania.



Melhor: Os ravioli de bacalhau e o tratamento democrático do cliente.
Pior: O travo a tupperware nalguns pratos e alguma aleatoriedade na qualidade dos pratos.
Pontuação: *
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)

Luca, Rua de Santa Marta, 35, Lisboa, 213 150 212, 12h00 – 15h00, 20h00 – 23h00 (-24h00 Sexta e Sábado), encerra Sábado ao almoço e Domingo, aceita cartões, 35€/pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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