« Home | Sommer (3/6) » | 2009 » | O Polícia (3/6) » | Faz Frio (3/6) » | Kaffehaus (4/6) » | Ibo (4/6) » | Thanksgiving » | Cabeça de porco » | Adega dos Lombinhos (5/6) » | Porto de Abrigo (4/6) » 

3.2.09 

Bénard (2/6)

Restaurante em tempo de chuva

Tinha um amigo que fazia o seguinte número: telefonava a perguntar "não te está a apetecer ir comer um bife à Bénard?". Era normalmente no Inverno e raramente recuso propostas. Quando lá chegávamos, eu pedia um bife e ele dizia que não queria nada, só uma água das pedras, por favor, mas que me fazia companhia. Ele gostava de ir à Bénard. Não de almoçar na Bénard. Era um sábio.Lisboa tem quatro estações: a chuva, o frio, o quente e a fresca. E para cada uma destas estações apetece um restaurante diferente. Apesar de muita chuva (e sei que esta verdade é pouco estatística), Lisboa tem poucos restaurantes de chuva. Restaurantes que protegem da chuva, mas cujo conforto depende de esta continuar a cair lá fora.Há pouco disso em Lisboa. Assim de repente, há o na Ordem com Luís Suspiro, descontando a Gago Coutinho e a chuva que tem que se apanhar antes de lá entrar. Fica assim talvez apenas a Bénard, a provocar aquele sentimento de saída-do-cinema-e-já-é-de-noite mas invertido. A entrada num útero de prazeres da boca, do nariz. Gente quente e aquecida, que nos seca. Fecha-se o guarda-chuva. Entra-se em passada larga.Os croissants, os famosos croissants da Bénard, ali ao lado direito, debaixo de uma luz e de um celofane, como galinhas de aviário. Ah, como eu adoro os croissants da Bénard, diz quem normalmente fala de cor e repete sabores-comuns. Lá estão eles, a olhar para nós, verdadeiros pilares da mitologia Lisboeta, que não passam de uma terceira divisão de um campeonato mais sério, ou mais global, de pastelaria. Os portugueses têm uma relação com os croissants muito próxima da que têm com a pontualidade: não faz parte. A vantagem do restaurante da Bénard, além do abrigo de chuva, é não termos que passar o teste da caixa do pré-pagamento, experiência muitas vezes traumática. Está quentinha a sala. Gezellig (que é "quentinho" em holandês). Também deve estar quente a frigideira, já que o bife aparece no prato estorricado, se bem que não seja crime capital estorricar carne de maus lombos com molho estranho (diziam ser marrare). Merecia mais respeito. Batatas razoáveis. Croquetes argamassentos, carnes muito temperadas, uma pasta daquelas que, na goela, nem para cima nem para baixo, salada sem pinga de tempero. Intragável. E o que faz um bom croquete raiar o belo, faz um mau croquete descer ao pântano do horrível.Salvaram o panorama uns filetes de peixe, com arroz solto e malandro de bivalves.No fim, um bom pudim, já que o bolo teve que ficar para uma vez em que não tivesse um mosquito a passear-se dengosamente nas suas cavidades.O serviço é bom, com requintes, atencioso. Só falta a comida ser boa e o preço aceitável. Cinco contos é muito dinheiro para nos abrigarmos da chuva. Por melhor que seja a sala, por mais raro que seja tal nível de conforto na cidade dos barulhos e das correntes de ar, um restaurante é sobretudo aquilo que se come e o que se paga pelo que se come. A chuva vai continuar. A quem é que vamos telefonar a perguntar se não lhe apetece ir comer um bife à Bénard?

Bénard
** Mau
Chiado

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
Powered by Blogger
and Blogger Templates