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26.11.08 

Ibo (4/6)

No limite

Mais vale avisar antes: não gosto de restaurantes africanos. Por uma causa e por uma coisa. A causa é que experimentar um qualquer restaurante africano é como ir a um espectáculo de stand-up comedy de um artista finlandês – é rir enquanto um país chora, é comer enquanto um continente passa fome. E se há miséria que não deixa um crítico gastronómico indiferente é a fome (devia ser a falta de humor?).
E a coisa é que normalmente a comida africana dos restaurantes africanos não é das melhores, ou não é totalmente africana. Não estou sozinho. A prová-lo está o facto de haver em Lisboa mais restaurantes macrobióticos do que africanos (o que destoa com o número de africanos a viver em Lisboa e de lisboetas que vivendo em Lisboa ainda vivem em África – às vezes dizem que se percebem pouco as minhas comparações, por isso a explicação).

Feito o aviso, a curiosidade acordou com a tarefa de ir experimentar um restaurante moçambicano no Cais do Sodré, bandejas de memórias de duas das melhores luzes do mundo. E neste Verão de S. Martinho, o rio azul acinzentado, o sentimento de fim da linha, os barcos, as obras, tudo no Cais do Sodré é Moçambique. Mas o que servirá um restaurante moçambicano? Street food? Polanices?

O Ibo no Cais do Sodré sabe que “cozinha moçambicana” é uma expressão tão rigorosa como música americana e opta habilmente pela inclusão na carta (graficamente estilo a da Bica do Sapato) de alguns pratos com o dístico de “sabores de Moçambique”. Quer isto dizer que, além desses sabores, se podem comer bifes das mais variadas formas, lombinhos de porco com mostarda (agradáveis), leitão à Bairrada (tenho observado a predilecção africana por leitão) e cheesecake de sobremesa (normal).

Sabores de Moçambique (diriam os restauradores, “sabores do Ibo”) são sobretudo caris. Caris muito bons, já que na cozinha parece estar alguém com mãos e cabeça, frutados, abertos (o caril pode sair aberto ou fechado), com bons materiais. O peixe (que peixe seria? Tipo caldeirada? Tamboril?) bem adequado ao caril e à realidade dos peixes índicos. O de cabrito também bom. Mas ainda na boca estão os coentros no de peixe. Ainda há quem faça caril sem coentros...

O chacuti é real, envolvente, granuloso, com um cabrito bem escolhido e simpático. Caseiro. Os camarões à Laurentina bons no molho, esfarelantes no miolo são, mesmo assim, uma agradável passagem às sobremesas. Razoáveis todas, muito boa a banana caramelizada, tépida, sabores realçadíssimos, a tornar supérfluo o gelado que acompanha.

Ibo é um nome muito gráfico mas pouco sonoro ("Encontramo-nos no Ibo. Onde? No Ivo? I-BU? É japonês? Não, é Moçambicano...). Felizmente, lá dentro, a decoração étnica está reduzida ao mínimo. O sítio é agradável, dentro do rio. A Lisnave ao fundo. Os barcos para a frente e para trás. Cénico e pictórico.

Os restaurantes são como os defesas-laterais. Não devem ter muitas ideias. O Ibo já tem um cozinheiro, já tem boa comida, não terá locais melhores. Agora é deixar que não se estrague a comida com muitas ideias. É que juntando os ingredientes boa comida, Moçambique, Cais do Sodré, boa decoração, dificilmente a mistura poderá sair melhor. O Ibo é um restaurante no limite.


Ibo
****Bom
Cais do Sodré, Armazém A. 21 342 3611.


Lourenço Viegas, 26.11.2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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