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30.9.08 

Everest Montanha (4/6)

Coming home

Em Setembro regressa-se a Lisboa. E se há cidade para regressos é Lisboa. Naqueles dias de Setembro, entre a tormenta das férias e a tempestade do trabalho, há sempre um dia especial em que mato as saudades todas de uma vez. À mesa de um restaurante indiano. Não é um restaurante goês – é um restaurante indiano. Onde se come chicken tikka massala, tandoori, onion bajis. Tudo comidas tão típicas da Índia como as crocs serem o calçado dos pauliteiros de Miranda.

De há uns tempos para cá tenho preferido gastar este intermezzo nas mesas do Everest, restaurante de comida indiana e nepalesa, ou nepaleza como vem no prospecto, na Av. do Brasil (o nepalesa é só branding). Também há, igual, em Algés e agora junto à Igreja da Av. da Igreja, aqui na versão nepalês e italiano (um restaurante nepalês-italiano é um prodígio da polivalência, como os críticos de comida-e-vinhos, canalizadores-electricistas da gastronomia).

O restaurante da Av. do Brasil é estranhamente agradável. Uma marquise gigante em frente ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, de esguelha para o Júlio de Matos, como quem vem, ou vai, do Aeroporto (daí ser adequado à comemoração do regresso), para um chicken tikka massala. Chicken tikka massala é o nome perfeito de prato, um prato inventado (podem inventar-se pratos?) no Reino Unido nos anos cinquenta, bocados de galinha com um molho assim tipo caril, sempre a pedir mais arroz.
No restaurante de Algés há até "misturada de legumes" e se o prato não for bom, é deliciosa a tradução de mix por misturada, o símbolo da incorporação perfeita da portuguesidade, que odeia vegetais e salada, ainda por cima variados e ao molho com molho. Por falar em Portugalidade: em 2001, Robin Cook (o então Ministro dos Negócios Estrangeiros inglês e não o autor de livros de suspense da treta) proclamava o chicken tikka massala como um exemplo de Britishness. Há um ano o casal presidencial Silva queixava-se do picante da comida indiana.
Os pratos no Everest Montanha são normalmente doces e redondos, o arroz agradável, como o serviço. Falta a subtileza aos sabores e a distinção clara entre alguns dos pratos, mas é bom comê-los com paratha (pão chato, mais consistente do que o naan) e uma cerveja, indiana ou portuguesa.
E o cliente é que manda: com picante, sem picante, médio picante. E muita gente pede sem picante, como o chefe Silva, imagem do seu povo, que gosta dos sapatos pequenos por fora e grandes por dentro, do cheeseburger sem queijo.
Por falar em queijo, no Everest Montanha da Av. do Brasil, servido em tachinhos com uma vela por baixo, é interessante o saag paneer, cubos de queijo num molho de espinafres e (teoricamente) folhas de mostarda.
Depois de um mês de sardinhas, saladinhas de polvo e plumas de porco preto, nada como um restaurante indiano tipicamente britânico para matar as saudades de Lisboa.
E enquanto não vem a bebinca, uniforme, branda, deslocada, é ir escrevinhando a letra que o Quim Barreiros um dia escreverá ao lamb karai.

Lourenço Viegas

Everest Montanha
Av. do Brasil, n.º 130-C (em frente ao LNEC)
****Bom

Time Out Lisboa, 20 de Agosto de 2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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