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9.7.08 

Hospital da Cruz Vermelha (4/6)

Hospital de comida

Sentimentos contraditórios, sentimentos contraditórios não é a Turquia no campeonato da Europa, nem as notícias de assaltos a bancos. Sentimentos contraditórios é comer comida de restaurante em self-service de hospital.
Os cafés e restaurantes dos hospitais têm o seu quê de magnético, um pouco como os postos médicos dos centros comerciais (se estiver a pensar em desmaiar, aconselho-o a fazê-lo no El Corte Inglês, que tem posto médico de categoria).
E o mais encantador dos restaurantes de hospital é o restaurante do sétimo piso do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, em Benfica. Um último andar, todo envidraçado, uma mistura de piscina do Lost in Translation com canopy walking no Bornéu. Tons de verde, a luz filtrada por vidros e cortinas em boa combinação. Uma sensação de bem-estar, entre as árvores. Até se esquece a endoscopia.
É uma comidinha muito razoável, bacalhau de posta fina mas saborosa, lombo aceitável, lasanha generosa. Há também dieta para quem quiser, ou precisar. Ou quiser ficar como a técnica de R/X, unha muito pintada, roupa de um branco transparente, cobiça do chefe de equipa.
Mas qualquer pessoa pode comer no restaurante? Poder poder, não sei. Mas na prática, pode. É entrar pela porta principal, ligeiramente em frente e à esquerda apanhar um elevador, carregar no 7, sair do elevador, virar para as portas de vidro do lado esquerdo e entrar. Ninguém faz perguntas. No aquário gigante, mergulha-se num ER, sem Clooneys mas com enfermeiras e médicas ríspidas e (ao mesmo tempo) sensuais, médicos abastados, algumas famílias de pacientes, sem aspecto dramático, uns partos? (cesarianas, claro), remoção de varizes (talvez), gente tranquila.
O pior mesmo é encontrar gente conhecida, ou família, então por aqui, está tudo bem? Tudo, vim mesmo só almoçar. Hmmm... veio de certeza tratar de um desmancho, hemorróidas ou aumento mamário e não quer dizer.
Mas podemos viver bem com isso, com esses olhares suspeitos, porque vale a pena esta comida de restaurante em self-service de hospital.
Depois da sobremesa, pudim normal, bom arroz doce, gelatina (é impossível adjectivar a gelatina), saia as portas de vidro, sorria para as meninas recepcionistas como se estivesse à espera de consulta ou a visitar alguém e fume um cigarro numa varanda sobre Lisboa, um gesto irreverente. Mas dizem que fumar no hospital não mata. Lourenço Viegas

****Bom
Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (7.º piso)
Rua Duarte Galvão, 54 (S. Domingos de Benfica)


Time Out Lisboa, 2 de Julho

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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