« Home | Cenário (2/6) » | Stravaganza (2/6) » | Peixe FAQ » | Adega da Tia Matilde (4/6) » | Casa da Comida (4/6) » | Uai (4/6) » | Big Mac vs Whopper » | Cop'3 (5/6) » | Toscano Casa de Pasto (4/6) » | Horta dos Brunos (2/6) » 

28.5.08 

Tachadas (4/6)

Estabelcimento contra o estabelecimento

Há restaurantes que têm tudo para falhar. Como certas famílias. Certas casas. Mas não falham. Ninguém sabe bem porquê. Geram invejas. Estabelecimentos que desafiam o estabelecimento.
No Tachadas, não há estacionamento, não há ar condicionado, há uma TV empoleirada, um grelhador à entrada, arcas frigoríficas gementes. Deve até haver um electrocutor de moscas roxo. Mas corre tudo bem. A comida é boa. É barata. O ambiente familiar. Lisboeta.
Casais de velhos, que há anos deixaram de ser idosos, que devoram uma tachada de arroz de marisco, a carcaça da lagosta bem sorvida, o ácido úrico que já não penetra no sangue porque as análises semanais também curam, um mimo – dignos, mesmo com a braguilha aberta.
Há ventoinhas no tecto (sempre, sempre, a imagem do chicote do Indiana Jones), a marca desta Lisboa tropical, que tantos começam agora a negar, passando horas ao sol tórrido em esplanadas e zonas inóspitas.
É Lisboa. Ou seja, gente de fora. Da terra e de outras terras. A fotografia de Ponte de Fajão, aldeia serrana. Lugar mágico. Na fotografia. Sem as casas de emigrante. Por vezes, penso se as casas não serão de imigrantes, com i. Quem volta não é nunca o mesmo que partiu (não corrigir a dupla negativa, por favor).
Boa batata. Boa batata, a cozida, com as ovas bem grelhadas, delícias de abortadeira dos mares, salgadinhas, o fumo a misturar-se com a brisa. Também podiam ser cozidas. Mas não. E preciso entrarmos no Verão lisboeta, condensado nos fumos de um grelhador de peixe, que não esturrique, mas que faça fumegar. Também boa a batata frita. Palitos compridos.
A Rua da Esperança tem um nome que ajuda. A Embaixada de França lá em baixo, bonita, grande, solene, do tempo em que não havia aviões, nem Europa, nem paz, nem telefones ou internet. De um tempo em que as embaixadas ainda faziam sentido. Os jacarandás antes da explosão.
Secretos na tábua. Bons, bem grelhados. Quantidade generosa. A madeira a aparar a faca, devia ser sempre assim, sem o risco do chiar do gume na porcelana, quando desliza a mão e se perfura os tímpanos, o cérebro.
E ainda caio no erro de perguntar como é o doce da casa e o que é que o distingue da delícia da casa. Doce da casa e delícia da casa são conceitos próprios e móveis. São sempre natas com qualquer coisa, muito doce, naquela textura de sobremesa plebeia, de colher, em copo alto, para rapar. Às vezes sabe a café, outras não. Às vezes é da casa o doce e a delícia, às vezes é da avó. Todos diferentes, todos iguais. Melhores e piores variações sobre a mesma coisa. Como os livros do Lobo Antunes.
Canjinha, a canja é sempre canjinha, de pato, substancial. Não há pior que canja água de lavar embalagens de alumínio de frango assado misturado com resto de massinhas cozidas hospitalares, como em tanto sítio é servida e sorvida a canja.
A picanha também tem piada, a sardinha a petinga e o carapau. Há anos em que me está melhor o carapau, outros a sardinha. Este ano é de carapau.
Ir ao Tachadas comer bem é reconfortante. As coisas como deviam ser. Como um bom médico de família no decrépito centro de saúde da esquina. Lourenço Viegas

****Bom
Tachadas
Rua da Esperança, 176 (Santo-o-velho)
Tel. 213 976 689
TimeOut Lisboa, 7MAIO2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
Powered by Blogger
and Blogger Templates