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25.3.08 

Uai (4/6)

Minas nossas

Há três tipos de restaurantes brasileiros em Lisboa: o maminha, o muqueca e o Uai.
O maminha é o rodízio, comer salsichas, maminha, peito, picanha, lombinho, cachaço, até rebentar, servido de violinistas espadachins transpirados e vestidos à toureiro, tudo acompanhado de maminhas de fora, a botarem caipirinhas a dentro. O muqueca é o restaurante brasileiro mais tradicional. Famílias, casais, também com caipirinhas a despropósito, pronunciam com familiaridade nomes coloridos de comidas cinzentas (vapatá, muqueca, saravá, iemanjá, siri). Depois há o Uai. Diferente, sem batalhões de empregados, sem papagaios, mais sóbrio. Na Rocha Conde de Óbidos, a melhor Nova Jérsia de Lisboa
O Uai serve comida mineira. Comida mineira não é comida da Panasqueira, é comida do Estado de Minas Gerais (Minas, dizem os entendidos). E é mesmo orixá, haver um restaurante de Minas na Rocha Conde de Óbidos - é que em tempos, lá atrás na encosta, o palácio dos Condes de Óbidos (estes, membros do conselho de administração do Brasil à altura) foi vizinho do palácio dos Marqueses de Minas. O que é que isto interessa aos leitores? Nada.
No Uai não há picanha, nem muqueca. Graçazzs à Deuss. Há, para começar, um excelente pão de queijo, bomboca de chulé, sempre quente, uma salsicha banal e um torresminho quebra-dente, o inho só para enganar. Vale mais a pena ficar-se pelo pão de queijo e pela mandioca frita. Ainda não sei o que é, mas algo me atrai na mandioca, na tapioca, na farofa, na farinha de pau, na cassava e no aipim, tudo nomes da mesma coisa ou de farinhas da coisa.
Chegando aos pratos, recuamos ao passado nesta torna-viagem dos sabores. Era assim que se comia em casa da minha avó, brasileiros retornados, de palacete em bico e chapéu clarinho. Os brasileiros, simplesmente, lá na terra, que comiam pratos estranhos, com nomes estranhos.
Feijão tropeiro, ração dos cowboys mineiros, com mandioca, sempre a mandioca, e um tutu mineiro, também muito interessante, de mandioca.
Frango com quiabos, a carne a ceder, o quiabo a derreter. O quiabo gelatinoso, sem saber a muito, pega bem na perna do frango.
Há um entrecosto agradável, e umas carnes em panelas, fortes, a lembrar um armário antigo.
O pior é que é tudo em buffet (o pior mesmo é a exposição de arte que está na paredes, mas isso não é a minha área e aqui na Revista não há poliflexivalências). Não consigo gostar de buffets, bacanais do dente, orgias da pança. O tudo ao molho, o senta levanta, o ser empregado de si próprio, a angústia da escolha, a liberdade que nos atira para o empanturranço. E depois aquele tique no Uai, não sei se para bem do cliente, se para contabilidade própria, de cada vez que nos queremos servir de mais nos obrigarem (não é facultativo) a mudar de prato. Até dizem que um cliente que se recusou a dar o prato sujo de volta, e insistiu em servir-se de novo nele, apareceu passado uns dias a boiar ali no cais do Tejo, mas não acredito. Mas também reconheço que neste restaurante, museu de sabores pretéritos, o buffet seja o menos mau dos sistemas. Se fosse só para comer o frango com quiabos, alguém lá ia?
As sobremesas tinham bom aspecto, mas fiquei cheio ao ler o aviso, na mesa dos doces, a sugerir que os clientes se sirvam pouco de cada vez. Como quem diz, seus javardos, não façam como no pequeno-almoço do hotel no Sauípe – o mundo não acaba hoje. Se acham que a clientela não tem a fineza de ter menos olhos que barriga (e muitas vezes não tem), que contratem um empregado para o buffet das sobremesas. Já no buffet dos piri-piris, não há semelhante aviso. E é bem bom ir jogando aos faquires, distinguindo os modos de picar de cada uma das bagas. Umas picam na língua, outras mais na boca, outras a descer. Um picante prolonga-se, outro é curto e incisivo (vamos ficar por aqui, não vá isto parecer uma crítica de vinhos, ou seja, muitos adjectivos sobre coisa nenhuma).
Conheci quem, no leito da morte, se orgulhava apenas de uma coisa, ir morrer sem ter ido ao Brasil. O Uai ajuda quem comungue de semelhante objectivo. Pelo menos a mim, que para Brasil me basta Lisboa, vai-me permitindo adiar a ida. Lourenço Viegas

Uai
****bom
Rocha Conde de Óbidos
Cais das Oficinas - Armz. 114

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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