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17.12.07 

Estrelas Michelin

Sistema de estrelas, estrelas de sistema


Amigos e editores não perdoam, por esta altura: então Lourenço e as estrelas Michelin, já viu? Digo sempre que sim, mas nunca vi, porque aqui entre nós excitam-me mais as estrelas dos guias verdes do que as dos guias vermelhos. E depois lá vou ver e fico sempre sem saber o que dizer, porque nunca sei como se diz um encolher de ombros. Sentimentos contraditórios.


Tal como o Luís Filipe Vieira, tudo começou com pneus. A Michelin é uma empresa cotada em bolsa que vende, principalmente, pneus. Ainda por lá há o Sr. Michelin que descende de um outro Michelin que inventou um pneu qualquer. A ideia era simples: se as pessoas soubessem onde poderiam comer e pernoitar, viajariam mais de carro e gastariam mais pneus. Como se a família Avelã de sapateiros do vale do Ave fosse hoje conhecida pelo mais famoso guia de passeios pedestres, o guia Avelã, inventado há cem anos para venderem mais sapatos.

Então as estrelas? As estrelas Michelin são o pior sistema de classificação de restaurantes, à excepção de todos os outros.

São o pior, porque uniformizam a oferta e a procura (quero uma estrela Michelin, cozinho Michelin; quero parecer o melhor gourmet, só como Michelin). É o efeito de sinalização em mercados de concorrência imperfeita, uma refeição é um experience good, há o risco de selecção adversa.

A verdade é que as estrelas Michelin são o único sistema que resistiu ao tempo, e que mudou os tempos, e que consegue uma presunção de honestidade superior. Não podemos olhar para elas à espera de encontrar sempre e em qualquer lugar o melhor restaurante do mundo. Quem chegue a Lisboa para trilhar o caminho das estrelas não vai comer mal, mas não vai comer a melhor comida da cidade, nem sequer a mais Michelin. O contrário passa-se, por exemplo, em San Sebastian.

O truque é pedir ao Guia apenas o que ele nos pode dar. Há que evitar perguntarmo-nos se o Porto de Santa Maria merece uma estrela. A Michelin é que sabe. Se calhar o inspector nunca tinha provado loup de mer en croûte de sel, se calhar apanhou aquele vírus muito português de classificar o restaurante pelo parque automóvel, ou porque é caro (o efeito de sinalização dos preços). É irrelevante: por mais discutível que seja qualquer escolha, tenho a certeza que é baseada em bocas anónimas que já devoraram mais comida bem cozinhada do que muitos de nós. E são bocas que olham à mesa e como esta está posta, aos modos dos empregados, à redacção da ementa. Uma espécie de ASAE do bom-gosto e isso, enfim, gosto.

E sempre que perguntamos por que raio é que o Vítor Sobral ou o Miguel Castro Silva não têm uma estrela Michelin, a resposta está no facto de o sistema ser conservador e tentar evitar erros tipo I (falsos positivos) e por isso cometer muitos erros tipo II (falsos negativos, ou seja, estrelas que não dá a quem também as merece – li isto num paper). Não basta serem os melhores cozinheiros de Portugal. Têm de ter paciência. Ou então serem criativos e arrojados e inventarem um prato novo. Por exemplo, cozinharem um peixe dentro de sal ou uma maluquice do género.


Lourenço Viegas
Time Out, n.º 12, 12 Dez 2007

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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