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21.11.07 

Mezzaluna 4/6

Do bom e do banal

Mezzaluna restaurante é como o mezzaluna objecto: entre o bom com ar de banal e o banal com ar de bom. Uma mezzaluna é uma lâmina em quarto-crescente, com dois cabos de madeira nas pontas, que todas as pessoas que não sabem cozinhar têm nas suas cozinhas para picar ervas aromáticas. Tem um bom ar, sólido, útil, que a faz constar do topo da lista de presentes não-preciso-disto-mas-é-bom-demais-para-dar-à-empregada. Destino certo: o fundo da gaveta das facas. É claro que é um objecto de função banal: cortar e picar. E para isso há as facas.

No Mezzaluna há banalidade com pompa: rigatoni con maialino di latte arrosto con piselli, aglio, olio e pancetta croccante. Desilusão. Um leitão que parece frango, aproveitamento de restos esfiapados no meio de uma massa banal, com um bacon banal. Uma mistura de sandes do Manjar do Marquês com massa de cantina de empresa.

Mas há também banalidade boa: o carpaccio, que normalmente não passa de uma carne pouco fina, aqui tem uma alma escondida. Repare-se que não é aquele carpaccio em que o tempero tenta dar sal a um prato que se quer ténue, como uma menina de coro de unha eximiamente pintada de encarnado. Não. Aqui o tempero é suave, sem matar o sangue da carne, as verduras do meio frescas sem ser para enfeitar, a ligar na perfeição, o queijo finamente cortado, à espera de ser comido. Nenhum dos elementos abafa o outro. A carne, finamente cortada, desfaz-se mas mantém a sua textura.

Banais, demasiado banais, são os cogumelos recheados de farinheira e cobertos de mozarella fresca, entradas quentes de casamento numa quinta em Runa, à beira da piscina, durante as fotos.

O stuzzichini, prato de legumes a boiar em azeite não solicitado que está na mesa, que é péssimo na maioria dos restaurantes, é aqui excelente, com um presunto bom e fresco a encimar.

Delicioso é também o rolo de beringela recheado de ricotta com esparguete. Touché o crítico que, com a idade, vem dando cada vez mais importância à mistura de texturas, na mesa como no leito. O suave do queijo, pasta de grânulos leves, com o esparguete de mesura grossa a quebrar no dente, com a beringela, o conselheiro Acácio dos legumes, a envelopar. Leve e rico, duro e mole.

Reacções mistas tiverem uns raviólis de massa soberba, com recheio de feijão encarnado e branco. Entre o bom e o não se brinca com feijão. Outros recheios nestes raviólis já tiveram melhor nota.

E o crítico olhava em volta, ministros e banqueiros, casais de embaixadores não praticantes, e um nevoeiro na alma que não se dissipava. Isto é bom ou é normal? E a Time Out não é como a sapataria Teresinha, não tem meios-números (ouço o editor a dizer) e o crítico há-de atravessar-se com três ou quatro estrelas, que o três e meia não é hipótese.

O serviço não ajuda a esclarecer - também é esquizofrénico. Talvez por homenagem ao outro restaurante do mesmo dono, o serviço é brusquito. Vinhos na carta que não há, sem a lista ser imediatamente devolvida para nova escolha (e aquela coincidência de serem sempre os mais baratos os vinhos que não há...), pratos levantados sem os comensais todos darem a última garfada. Respostas brusquitas, tons condescendentes, olhares empregado-da-mexicana... mas são tiques que a simpatia do dono quase dilui, com aquele sorriso de quem viveu na terra onde o cliente é rei.

Mas está tudo bem quando acaba bem. E aquele tiramisú perfeito, fresco, generoso, com as texturas, sólida no topo e esponjosa na base, só mesmo batido por uma tarte de limão, com um curd de antologia e umas claras sólidas por cima. O preço é alto, mas são trinta honestos euros, muito merecidos quando se acerta em pleno nos bons pratos que há na carta e se tem a oportunidade de ver Lisboa e meia (que, et pour cause, era o nome do Restaurante que antecedeu o Mezzaluna...). Lourenço Viegas



Mezzaluna
R. de Artilharia Um, 16
213879944
****Bom


Lourenço Viegas
Time Out, n.º 8, 14 Nov. 2007

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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