« Home | Pastel massa tenra Frutalmeidas » | Chávena perfeita » | Nune's Real Marisqueira (4/6) » | Gin do Peters » | Instituto Macrobiótico de Lisboa (Chiado) » | Aquele dia » | Zé Manel dos Ossos (Coimbra) » | Sul (Ericeira) » | O Tarro (Odemira) » | S. Gião (Moreira de Cónegos) » 

17.10.07 

Vinotinto (2/6)

Parece

Parecer. Só levo a sério as pessoas quando topo que utilizam correctamente o verbo parecer. Implica muita inteligência, isto do comparar, de ver, naquilo que não é igual, o semelhante e afastar o dissemelhante. Por isso, quando ela disse, ao comer o costeletão de boi, parece polvo, senti o maior orgulho que um avô pode sentir.
O Vinotinto, na nova praça de touros do Campo Pequeno, é o reino do parecer. Parece uma enoteca, mas o vinho ficou esquecido no nome e nas paredes; parece um restaurante espanhol, mas mistura comidas de Espanha, com entradas de Itália e saladas de aeroporto; parecem simpáticos, mas nunca nos deixam sentar nas mesas que nos apetece; parece agradável e confortável, mas saímos cansados e com o rabo a doer dos bancos.
O nome e a decoração vendem um conceito que não tenta sequer existir no restaurante – ideias de algum atelier de marketing de Valladolid, cuja coerência ficou no powerpoint.
A comida parece uma coisa e sabe a outra. É como chegar ao Fat Duck de Heston Blumenthal: vem o atum com presunto e sabe a polvo à galega, vem o provolone na chapa e sabe a polvo à galega e vem o chuletón e sabe a polvo à galega. Muda a textura e mantém-se aquela predominância do pimentão rafogado em azeite. Até o polvo sabe a polvo à galega. Polvo de um mar salgado, muito salgado.
O costeletão (chuletón, que o sítio é espanhol) até nem é de más carnes (esqueça as batatas que acompanham), e talvez seja dos únicos pratos a valer a pena, isto se não se assustar com tanta gordura. E o seu sabor lembra mesmo o polvo à galega, como disse a miúda. Já as espetadas de cabrito estavam tão más que nem a polvo à galega sabiam – um desastre.
Há também nas entradas uns ovos rotos, que se comem apesar das batatas estranhas, e uma agradável tortilha de bacalhau, com o conteúdo molhado e os ovos a ligar bem ao peixe e ao pimento.
A tarte merengada de limão parece fresca e sabe a velho – doces a saber a velho é das piores maneiras de terminar uma refeição. A mousse, pelo contrário, parece má, mas é boa, em copo, mas dispensava-se o topping de hagelslag (pepitas de chocolate). O bolo de chocolate, banal, e a tarte de leite condensado, sem piada.
O site do Vinotinto também parece. Vá a http://www.vinotinto.pt e leia: parece escrito em português, mas não é; parece o site de um restaurante, mas abre com o símbolo da União Europeia e do Ministério da Economia espanhol (será que têm uma quotazinha?); e depois parece a brincar, mas é a sério: dizer num site que “dado o tipo de negócio, não é necessário contratar grandes especialistas, o que se traduz numa redução de gastos de pessoal”, até tinha piada, não fosse verdade. É que as meninas da porta, uma espécie de gerentes, insistem em não deixar os clientes sentarem-se onde querem. Chega a ser surreal. Experimente, se tiver que ir ao Vinotinto, pedir aquela mesa lá em cima, junto da janela e prepare-se para uma nega.
O resto da criadagem alterna entre o muito simpático (o gordinho que foi resgatado da barulheira infernal do Lucca) e o “é hoje o meu primeiro dia de trabalho e já me estou a passar com a gerente” (normalmente é utilizado outro termo).
E se não tivesse medo de me acusarem de estar embirrento, ou de ser desmascarado por acompanhar, com esta idade, as comidas com o esgoto do imperialismo, até dizia que não se pode aceitar que um restaurante num centro comercial não tenha Coca-Cola, apenas Pepsi.
O que me parece é que é tempo de deixar de haver restaurantes de franchising a trinta euros por pessoa. E, por favor, para a próxima não me obriguem a ficar na mesa ao lado da casa de banho tendo mais de meio restaurante vazio. Vá lá.

Vinotinto
Praça de Touros do Campo Pequeno
210 191 191
**Mau



Lourenço Viegas
Time Out, n.º 3, 10 Out.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
Powered by Blogger
and Blogger Templates