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10.10.07 

Nune's Real Marisqueira (4/6)

A marisqueira que era restaurante

É a marisqueira do momento. Releia e tope a ironia. Como se o momento tivesse marisqueiras! Ou retrosarias. Recomeçando: é a marisqueira de que toda a gente fala – toda a gente que vai a marisqueiras. Sempre defendi que a crítica de marisqueiras (ou as incursões dos críticos gastronómicos sobre vinhos) eram tão dignas como a crítica de entrepostos ou supermercados. Servir marisco tem apenas um requisito: um bom fornecedor. Saber os tempos de cozedura, preparar uma santola, fazer umas amêijoas são skills básicos. E por isso as marisqueiras, quanto ao marisco, ou são boas ou são más. Para serem boas, é apenas preciso que o tal fornecedor não falhe com o marisco, bem fresco e variado, e que o gerente da casa conheça o aviamento e calcule as encomendas para que não haja gambas putrefactas na vitrina, nem lagostas a boiar no aquário. Neste yin-yang, a Nune's Real Marisqueira é boa.
Se é fanático por marisco, não leia mais, e siga para Belém. Mas se gosta de comer, sabe que uma marisqueira boa nunca pode dar mais do que um restaurante razoável (e não venham com Ramiros).
Felizmente, a comida cozinhada do Nune's é muito boa e faz esquecer aquele apóstrofo. A garoupa no forno, bem assada, com um fundo a lembrar gengibre, batatas assadas estaladiças, mas que se desfazem, um molho (levava natas?) leve, atomatado. Os filetes de espada, bem cortados, polme a envolver, e os de galo, com excelente açorda, amarela-torrada (açorda deslavada é ainda pior de que uma mulher deslavada) pedem um picante. Tenho para mim que uma das técnicas mais antigas de marketing através de male bonding passa por o empregado dizer sempre tenha cuidado com o picantezinho que isto é uma bomba e depois o cliente põe umas gotas e aquilo pica menos do que as borbulhas da coca-cola e sente-se o maior macho do mundo. Mas no Nune's (é difícil não rir cada vez que escrevo o apóstrofo), o picante pica mesmo. O pica-pau é razoável, o prego idem, o pudim bom (consistência e caramelo verdadeiro). A imperial é bem tirada, Sagres e o copo gelado – mas por que é que trazem túlipas, quando se pede imperial? Aliás, a grande pecha do Nune's é aquela tendência do empregado de marisqueira de impingir um presuntinho, um casco de sapateira, um marisquinho, umas ameijinhas, umas gambinhas... Alquimia gramática que transforma tanto diminutivo no prato em aumentativo na conta.
Sai-se do Nune's com a sensação estranha de se ter comido boa comida-comida numa marisqueira, e não ajuda a assentar as ideias a decoração. Já reparou, com certeza, na estranha proximidade lexical e arquitectónica entre marisqueira e marquise. Mas no Nune's há o sair do armário de uma sensibilidade estética, algo duvidosa, de balcões pintados de preto e composição fotográfica de marisco em tons de avermelhados a forrar uma parede. Mas talvez seja do apóstrofo. Ou da lagosta em néon.

* * * *Bom
Nune's Real Marisqueira
Rua Bartolomeu Dias n.º 120 (Belém)
213 019 899
Fecha às Quartas


Lourenço Viegas
Time Out, n.º 2, 3 Out.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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