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27.7.07 

S. Gião (Moreira de Cónegos)

Surpresa recorrente

As melhores surpresas são aquelas que têm como objecto algo que nos é familiar. Aquelas de que já estamos à espera sem estar à espera. Que nos surpreendem apenas por não esperarmos aquela coisa tão boa e tão familiar naquele momento.
Assim foi, quando ela disse que me queria levar a jantar a moreira de cónegos, junto ao estádio à beira (no douro é sempre à beira) da fábrica do padrinho. As mulheres do porto (que não as do porto com minúscula) há muito tinham deixado de me surpreender. Conhecia-lhes bem os pós e as contas. Quando escolhem um restaurante, é sempre um de que lhes falaram e que dizem ainda não conhecer (sim, também elas são inseguras).
Mas com a Luísa era diferente. Queria ir ao São Gião, porque era dos poucos sítios onde se sentia bem. E queria provar o risotto de caracóis. Naquela sala linda e acolhedora (das poucas a que adjectivo calha bem), a lareira no meio. Os empregados sempre os mesmos, sem se dar por eles a não ser na simpatia, o pão que nunca falta na mesa. Compreendem os pedidos especiais e foi sem surpresa que foram desfilando pela mesa umas bochechas de porco, muito boas. Ovos mexidos com gambas em bela consistência e sabor. Filetes de pescada suaves, suplantados por um colarinho da mesma (adoro este tique, meias-brancas da crítica gastronómica, o uso do pronome demonstrativo mesmo para referência a algo já mencionado, que tanto irrita os puristas da gramática e do estilo). O colarinho, com a sua gordura – leve pil-pil... Espanha ali tão perto. Açorda de perdiz, redonda, com o fundo palatal da caça marinada em vinho do porto (seria?)...
Mulheres bonitas à volta com filhos, muitos, sogros, maridos, mães, tudo a gostar de comer, com aquele aprumo e arreio que já só se vai vendo na burguesia nortenha. Boas peles, bons ouros, bons dentes. Bons garfos.
O São Gião é o meu restaurante perfeito. O preferido também, daqueles que ainda não deixaram de ser restaurantes para passarem a ser uma galeria dos pratos de um chefe. Um restaurante, sem chefe mas com cozinheiro, sem pratos mas com comida (comida ainda a saber a comer), em que o espaço e a comida combinam tão bem. Um restaurante em que o chefe-dono já cozinhou na James Beard Foundation sem que isso lhe tenha estragado o ego e a mão.
Como aquelas mulheres com quem ainda casaríamos, quase mas não mais-que perfeitas, que ainda cremos humanas. Naturalmente que não é nas mulheres tipo S. Gião que encontramos a surpresa não recorrente, mas é com elas que estamos mais e melhor. As mulheres Adriá são boas para companhia no voo londres nova-iorque.
No fim, as canilhas com leite-creme a estalarem na boca, doces, suaves (ainda bem que o terapeuta da mãe das minhas filhas é anti-freudiano).
Mas voltando ao espaço, a fábrica, o vale, o clube de futebol, a estrada mal cuidada, um cadáver-esquisito harmonioso, como aquelas batatinhas do céu, recheadas de carne, comida de casa num dos poucos restaurantes totais.






Lourenço Viegas

contraprova@gmail.com
www.contra-prova.blogspot.com





Melhor: Experiência restaurante total.
Pior: Não haver uns quartos para a sesta.
Pontuação: ***
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
São Gião, R. Comendador Joaquim Freitas, junto ao estádio do Moreirense) – Moreira de Cónegos, 253 561 853, 12h00-15h00, 19h30 – 2h30 (encerra segunda-feira), cartões de débito e crédito, 30€ / pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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