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5.4.07 

Il Gattopardo (Lisboa)

Il gato por lebre

Pontos ou linhas. É assim que divido as pessoas, as coisas, os lugares. É uma questão de perdurabilidade esperada: uma área de serviço numa auto-estrada, uma caneta, um diplomata num cocktail são pontos, centelhas que se extinguem segundos depois de nos servirmos deles. Outros, as linhas, ficam: uma pessoa amada, um cão (qualquer cão), um tacho velho.
Nos restaurantes e na comida que nos servem, há também os pontos e as linhas. E nesta minha geometria há os linha-linha, os ponto-linha, os linha-ponto, e ponto-ponto. O Gattopardo no Hotel D. Pedro é um ponto-ponto. Nem fica a comida, nem o restaurante, por diferentes razões: o restaurante, porque não é feito para ficar; a comida, porque não é feita de modo a que fique.
O restaurante - ponto. Todo o restaurante de hotel é ponto, efémero, um carma acumulado de diásporas, uma naturalidade sempre curta, a perdurabilidade forçada. A estandardização do design, conforto esculpido, apenas um pouco acima de um hospital humanizado. No Gattopardo, nem a imensa carpete tigresse destoa ou marca, as cadeiras boas demais que se esquecem, a simpatia asséptica dos empregados. Se dúvida houvesse de que era um ponto o Gattopardo-restaurante, desfê-la a incredibilidade dos empregados perante pessoas normais: “têm reserva?”, “estão hospedados no hotel?”, “ah (pausa, olhar iluminado), são do voucher da TAP?”. Como eu gostava de “ser do voucher da TAP”, seja lá isso o que for, para imputar nos ora-lucros, ora-prejuízos da empresa, aqueles sessenta euros de comida ora-má, ora-banal.
É que o Gattopardo também é ponto na comida. Na sopa de legumes à romana, boiava uma macedónia mal cortada num consommé pouco transparente (também só custava nove euros...); mais substancial, os tortelli recheados de carne em caldo de porcini. Banal macarrão “di Amatrice”, tomate e lascas de queijo de cabra curado.
Uma vergonha, os escalopes de foie-gras com maçã caramelizada e folhas de espinafre, famélicos e encarquilhados.
Nota positiva apenas para a massa tonnarelli de tinta de choco e lavagante salteado (por quarenta e poucos euros...), mas com demasiada gordura a quase estragar o bicho.
A posta de bacalhau em creme de cebola e polenta parecia de escabeche, ou passada, um azedume que nunca tinha visto ao fiel amigo.
Escalopes de vitela branca com molho de limão, espinafres salteados e batata assada com tomilho, não melhores do que os servidos por Jamie Oliver na cantina de um liceu nos arredores de Leicester.
A mousse de limão em coulis de frutos silvestres tinha a mesma assinatura que o foie, pouco viçosa, textura péssima, sabor irreconhecível.
Tantos preços, tanta fama e tão pouca comida. Ou será que era o menu para “os do voucher da TAP?”.
Pouco importa a um sítio onde quem lá vai, por natureza não torna, em que a irrepetibilidade é imanente, em que tudo muda e tudo fica na mesma.


Lourenço Viegas

contraprova@gmail.com
www.contra-prova.blogspot.com


Melhor: Tonnarelli com lavagante.
Pior: Comida banal-má a preços altos-astronómicos.
Pontuação: Sem estrela
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
Il Gattopardo, Av. Engenheiro Duarte Pacheco, 24, 213 896 622/ 00, 12h30-15h30, 19h30- 23h30, cartões de débito e crédito, 65€ / pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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