« Home | Gôndola (Lisboa) » | Tomo (Lisboa) » | Luís Suspiro (Lisboa) » | Cervejaria da Trindade (Lisboa) » | Pap’Açorda (Lisboa) » | Galeria Gemelli (Lisboa) » | Café de S. Bento (Lisboa) » | Sud-Expresso » | Terreiro do Paço (Lisboa) » | Teatro Nac. S. Carlos (Lisboa) » 

12.1.07 

Montanhas do Cávado (Louredo/ Vieira do Minho)

Provas de província

O fascínio pelo restaurante de província é como o fascínio motard: ou atinge um bando de fanáticos de gosto duvidoso, ou é exercido sobre quem apenas eventualmente vive o mundo que o fascina.
Resisti um ano a escrever sobre restaurantes no campo. No campo, é como quem diz, numa curva da estrada, porque por cá já há pouco campo. Foram duas as razões.
Primeiro, não tenho ilusões quanto à província: estradas perigosas, casas de azulejo por fora e frio por dentro, rotundas, stands e cafés escuros onde param botijas de gás e aqueles que renunciaram à França ou a Lisboa. Restaurantes desconfortáveis, arcas frigoríficas a gemer, televisões empoleiradas.
Segundo, não gostava de ser igual aos motards de fim-de-semana da crítica de restauração, os nossos críticos tradicionais que escrevem como se Évora ou Fátima fossem Sant Celoni ou Saulieu.
Não vá alguém não perceber, eu explico. Nas páginas da imprensa afamada, já não há quase crítica de restaurantes de Lisboa ou Porto. O crítico tradicional-profissional pensa que esgotou os restaurantes citadinos e vive fascinado pelo restaurante de província, lá longe, mas cheio de lisboetas endinheirados, que lhe desperta a veia do fantástico pela atracção das raízes: à (habitual) transcrição sem fim nem sentido de ementas e preços, aliam-se verbos ainda mais pastelentos, louvores mais hiperbólicos aos géneros e laudas desproporcionais à família que com aprumo gere a casa há duas décadas, mostrando familiaridades que não devem existir. (Imagino sempre o crítico, botão das calças desapertado, empanturrado em posta mirandesa, já na segunda aguardente muito especial, a ser mimado pela Dona Rosinha (espertalhona), cuja anca gorda abraça, tratando por minha querida).
Por tudo isto, hesitei muito em falar da Adega Montanhas do Cávado, um pequeno pardieiro, escuro e, como dizem as minhas filhas, pouco óbvio, onde a comida é boa e verdadeira. Seria uma injustiça relativa – e uma forma de egoísmo – não partilhar a experiência.
É no Lugar do Sudro, à saída do Cubo, no Louredo, para os lados de Vieira do Minho, como quem diz, à beira do Gerês, numa curva da estrada, onde só se vai por acaso.
Por acaso, também não há ementa. Podemos fazer um bacalhau ou uma costeleta grande de vitela e um polvo. Grelhados ou cozidos, ou outras coisas, se tivessem encomendado (não nos lembrámos...). Os grelhados são ali mesmo, na lareira, em frente da mesa onde devoramos uma excelente broa que acompanha cebola com sal, azeite e algum vinagre, como os trabalhadores da quinta da minha avô, ao almoço, com as cebolas acabadas de arrancar (ainda quentes, diziam eles). Um azeite forte, uma cebola branda, macia, leitosa, algum vinagre branco a realçar as pepitas de sal ainda inteiras. (Imagino sempre que um lábio trincado com muita força, para lá do limite da lei e da dor, ao ceder ao dente, gema como uma cebola trincada).
O bacalhau, posta muito alta de onde lascam longas lascas que mergulham no azeite, a fazer sentido como o peixe dos camponeses, a condizer com a serra lá fora, a chuva, o cheiro a terra húmida, o nevoeiro que sai da boca do cão quando ladra antes de voltar a dormir.
As batatas numa grande travessa, entre belas couves, a fumegarem, bem cozidas (quem é que dizia que para cozer batatas também é preciso saber?), com sede daquele azeite espesso, tão saboroso quanto violador de normas comunitárias.
Costeleta de vitela, grande, tenra, mal passada, sem ser a posta mirandesa, ou quejandos pour épater os lisboetas. Vós não sóis de cá? Nota-se assim tanto, Sr. Boaventura?
Sobremesa, só uns diospiros tirados da árvore, para provarem, que é a primeira vez que ela dá fruto. Bombas de tanino, ainda não maduros, secadores de boca, que dela expulsaram os resquícios de uma boa refeição.
Ou, como diriam os motards de fim-de-semana da crítica: rastos de um opíparo repasto de iguarias campestres que se deixaram comer em amesendação sem surpresa.

Lourenço Viegas

www.contra-prova.blogspot.com

Melhor: Cebola com azeite, sal e broa.
Pior: Diospiros.
Pontuação: *
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
Montanhas do Cávado, Lugar do Sudro, Louredo, Vieira do Minho, 964 302 742, “estamos normalmente abertos, senão é telefonar”, cartões de débito e crédito, 8€ / pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
Powered by Blogger
and Blogger Templates