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25.8.06 

Teatro Nac. S. Carlos (Lisboa)

Comida da cultura

O Peter de Vries disse que a pintura nos restaurantes está ao nível da comida nos museus.
E a comida nos teatros?
Cultura e comida não rima. Seja museu, jardim, castelo ou teatro, come-se mal. Por duas razões. Primeiro, porque a maioria dos clientes não vai lá para comer, mas para ilustrar a alma. Segundo, porque a cultura é um monopólio do Estado (ou das autarquias, o que é o mesmo mas pior) e os critérios de concessão dos restaurantes desses espaços muitas vezes são “incompreensíveis” (assim diz o Autor o que quer, podendo sempre dizer que não foi aquilo o que disse).
Claro que generalizo, querida, e não devia, eu sei. Mas pense no Museu Nacional de Arte Antiga, no Museu do Teatro, no Teatro D. Maria (dizem que vai reabrir), na Cinemateca, no Elevador de Santa Justa, na Gulbenkian..... Refeitórios prisionais nos sítios mais bonitos da cidade. No Colégio dos Carvalhos comia-se melhor, e até na guerra (meia comissão - Angola) ou no Hospital de S. João (uma semana – pedra no rim).
Há, claro, as excepções que confirmam a regra. No CCB, a Comenda (e apenas a Comenda), onde sabem cozinhar, como também sabem na cafetaria de Serralves.
No Restaurante Cafetaria do Teatro Nacional de S. Carlos não se percebe. Nem se sabem, nem se querem. Mas tentam.
À partida, era fácil: uma sala de boas proporções, bem decorada. E, entre dois marcos maiores da história da prostituição / amantedo-de-casa-posta lisboeta (o Nina que já não é Nina e o Belcanto que ainda não faliu), numa praça que se chama largo, com boa iluminação e pouco trânsito, ligeiro e ocasional cheiro a esgoto, uma esplanada em declive, à la Piazza del Campo em Siena (está a ver como voltei a escrever sobre esplanadas). É estar no Chiado, sem estar no Chiado: sem o freak show, a descarga hormonal dos grupos adolescentes cuspidos da boca do metro, os artistas de rua ou os empregados da Brasileira.
E, no quase marasmo do largo de São Carlos, dão-nos sopa de tomate, croutons e natas, a sopa agressiva, falsa, e os croutons moles, compensados largamente num pão ressesso (não, querida, não li no Aquilino, foi mesmo o actual da minha filha mais nova, que é das beiras, que me lembrou a palavra).
O carpaccio de bacalhau, com azeite de estragão e pimenta rosa (na ementa, em estrangeiro, red pepper), estava aguado, e a textura do fiel amigo frouxa e com sal a mais - e estragão com bacalhau pede a chalaça do estragam o bacalhau.
A salada de camarão e abacate, além de por que é que a escolhemos?, levanta a questão da utilização do abacate na culinária... Haverá alguém que goste mesmo de abacate? Puro, sozinho, aos quadrados?
A terrina de faisão com foie e trufas pretas, com salada, não estava má. Mas seria faisão? Se calhar a época da caça abriu mais cedo este ano.
Uma pasta, que há sempre estrangeiros por ali a passar, garganelli alla diavola, picante qb, tipo domingo à noite depois de um dia de praia, ele cozinha, põe tabasco e bacon, e ela diz aproveita aquela massa que está no armário, que a minha irmã trouxe de Veneza, que eu não sei dizer o nome.
A surpresa neste restaurante é que os pratos-pratos foram melhores que o resto: normalmente, em restaurantes-cenário, as entradas são médias, as sobremesas excelentes e os pratos uma indecência.
Aqui, os medalhões de tamboril “às três pimentas” eram saborosos no molho e o tamboril bem cozinhado. Claro que o molho matava o tamboril, que podia ser perca do Nilo do Uganda, mas a pimenta estava bem misturada nas natas. O bacalhau com broa e batatas a murro, montado em camadas, com demasiado bacalhau e pouca broa, estava sincero, ingénuo até. Bom era o tornedó com trilogia de cogumelos e molho de natas (trilogia foi o apontamento teátrico da carta). A carne, muito boa. Estranho não terem perguntado o ponto de cocção. Bom terem trazido mal passado.
A panqueca de tiramisù com manteiga de mel e a tarte de café amargo com coulis de caramelo e gelado de chocolate foram um surreal e gratuito desfile de açúcar (excepto no gelado, bastante bom, e no preço, bastante alto).
O serviço é profissional, algo demorado. Os preços elevados, sem justificação.
É enigmático e caricata a publicidade, na ementa, à McCann-Erickson (!) e em letras garrafais aos próprios donos
www.gruposilvacarvalho.pt . Assim, ficamos a conhecer, pelo site, que também exploram esplanadas no Castelo de S. Jorge, no Terreiro do Paço e, que, (início de citação) “sendo já considerado um dos locais mais mediáticos do Chiado pela sua localização, é o local de eleição de diversas personalidades e artistas, de vários cantos do mundo neste mês foi eleito pelos Queen para um agradável jantar numa das noites mais quentes do ano” (fim de citação).
Quando lá estive, não havia Freddie Mercury, nem personalidades. Só uma sala vazia e na esplanada um casal de estrangeiros, ela com aquele olhar, talvez por causa do calor, “por que é que não jantámos na Haagen-Dazs”.
É bom terminar assim, sem ter usado imagens teatrais: actores (empregados), palco (mesas), cenário (decoração), a peça representada (pratos), último acto (sobremesa) o cair do pano (conta), ovação... Ou pateada.


Melhor: Tornedó com molho de cogumelos.
Pior: Sopa de tomate.
Pontuação: Sem estrela
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
Restaurante Cafetaria do Teatro Nac. S. Carlos, Largo S. Carlos, Lisboa, Tel: 916 892 285, 11h00-02h00, aceita cartões
, 40€/pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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