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14.7.06 

Lucca (Lisboa)

Lucca cheio, Lucca minguante

Quando somos pouco exigentes, e muito jovens, dizemos que sexo, mesmo quando é mau, é bom. Assim se passa para muita gente com os restaurantes italianos. Erro fatal, que enche os bolsos dos restauradores que montaram casas com um food cost baixíssimo. Pastas são água e farinha e as pizzas não fogem à receita.
E por haver clientes assim, há tão poucos restaurantes italianos razoáveis em Portugal.
No Lucca, perto da Avenida de Roma, o dono é gordo, os empregados são gordos e até o chefe de sala era gordo. Portanto, a comida é boa.
Sem ter de entrar em Lisboa-Lisboa, à beira da Av. de Roma, onde vivi, um restaurante italiano verdadeiro, a cantina de um bairro, onde as minhas filhas gostam de me levar quando vou à capital.
Insisto na raridade das duas características. Um restaurante italiano bom e barato, sem o travo a fel das pizzas do Da Beppi, o enjoo da lasagna do Come Prima, o nonsense das pastas do Di Casa, ou o patobravismo do Stravaganza.
É um restaurante de bairro onde as pessoas vão comer - não vão jantar fora. Onde a refeição conjunta é natural, como na cantina da escola, na casa da tia, ou no bar da praia já no fim de Agosto. No Lucca, as pessoas são como são. Os maridos olham para as miúdas pouco vestidas da festa de anos da mesa do lado, as mães dão bofetadas nos filhos, o engate é franco, os negócios são feitos em voz alta e grupos de rapazes depois do futebol semanal partilham o suor e o problema de saber se o golo do Teixeira foi mesmo golo.
E, como qualquer cantina, está sempre cheio. A abarrotar de gente que fala em decibéis espanhóis numa sala que não comporta tanto barulho.
O provolone no forno atiça a boca para os rondeli de requeijão e espinafres, com uma massa suficientemente espessa para resguardar o queijo e os verdes do fogo do forno; o bife Lucca, com um molho de cogumelos diferente do banal feito com natas espessas, não compromete, mas podia ser de melhor carne. Carne de nota é a do carpaccio trufado, com umas trufas muito boas (ou com essência delas, para reforçar o sabor a gás metano...).
Nas entradas, mau, mau, é o tal de purgatório: uma embalagem, das pequenas, de concentrado Guloso em cima de um queijo que dizem ser mozzarella e vai tudo às chamas do forno...
Os penne alla norma são um bom exemplo de comfort food, com ricotta verdadeira e beringela que não se afogou em azeite. Mas servidos depois de uma espera considerável, com quatro trintonas na mesa ao lado que se julgam num episódio do Sexo e a Cidade, com o direito de trinar a gargalhada estridentemente, quase que podiam ser da Findus.
No Lucca, há um caos. Dizem que o problema foi que um dos gordos, o que mandava na sala, saiu, foi à sua vida, que estava lá só até arranjar emprego.
É como achar que uma equipa de futebol não precisa de um número dez.
O dono do Lucca é pizzeiro e consegue pizzas no mínimo tão boas como as do Casanova, por menos alguns euros, e sem termos de aturar ao nosso colo gente do mundo da moda.
A massa parte quando tem de partir e acompanha os ingredientes muito frescos quando lhe é pedido. A Lucca, com fiambre e ricotta e rúcola (a rúcola varia entre a normal e a selvagem, sem se perceber o critério, e por vezes vem mal lavada). Ou a Casanova, com porcini verdadeiros e um bom queijo. Os calzoni também são bons para quem lhe apeteça uma pizza, mas com a possibilidade de ficar ligeiramente enjoado.
Os empregados são quase os mesmos desde o início: gordos e simpáticos, não adaptam o tom sertanejo à algazarra. Oi, vai tomar cola? Ah, vinho? Oi?! Lamento, vou trocar.
Nas sobremesas, a
panna cotta e a mousse de chocolate valem a pena. A tarte de frutos silvestres tem pouca piada, a tarte de limão desenjoa. O tiramisú da Io Apolloni é fraco.
Um colega meu, geólogo em Moçambique, dizia que há raparigas em que é mais o corpo, outras em que é mais a cara. Também há restaurantes em que é mais a comida, outros em que é mais o serviço. Nos restaurantes-cantina, o serviço não pode falhar.
E no Lucca, o serviço minguante começa a estragar uma comida cheia.

Melhor: Pizzas.
Pior: Serviço demorado em sala muito barulhenta.
Pontuação: *
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)

Lucca, Travessa Henrique Cardoso, 19, Lisboa, Tel: 217 972 687, 12h00-15h30, 19h00-13h00, encerra às quartas, aceita cartões, 20€/pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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