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11.8.06 

XL (Lisboa)

Era XL

A sensação foi a mesma. Quando me ligaram a dizer que o XL tinha uma decoração nova, senti-me como quando soube que a mãe das minhas filhas tinha posto silicone. Corri para ver. Talvez o novo look tivesse mudado, ou compensasse, a atitude que nos aparta.
Há pessoas que se fazem difíceis. Umas, porque são muito boas; outras, porque são muito más. Todas me irritam: as boas, porque não havia necessidade de se fazerem difíceis (na restauração, é a experiência Galeria); as más, shame on us, porque só vimos que o rei ia nu a meio do cortejo (experiência Albatroz).
Mas o que me intriga são aquelas pessoas que se fazem difíceis porque sim. Como o XL.
Temos de tocar à campainha e depois esperar que nos abram a porta. Será que vão abrir? Demoram. Devem espreitar longamente pelo óculo, como uma velhinha num quarto andar sem elevador, na Ajuda, se lhe batem à porta depois do noticiário das oito.
Mas há um racional para casas de porta fechada. É que agora há muito crime, como em São Paulo, e o XL é numa zona perigosa (qual David da Buraca), e vai lá muita senhora de idade (que se fartou da Colina e dos Arcos) que se sentiria mal com a porta aberta (há cada vez mais drogados).
[Abrem a porta, bruscamente.] Peito emproado, “boa noite”, ligeiro espanto, “têm reserva?”. Como se fosse um avião para o Rio de Janeiro no dia 1 de Agosto, ou aparecêssemos sem bilhete em Glyndebourne. É claro, Cajó, que não temos reserva, como nunca tivemos nas dezenas de vezes que já cá viemos antes de tu aqui trabalhares; é claro que, se tivéssemos, não esperávamos que perguntasses. E, acima de tudo, é Agosto e tens metade do restaurante vazio.
É interessante a polissemia do acrónimo: XL é a casa da dona (chez elle), o porte do dono (XL), Lisboa ao contrário (Lx – XL), em estrangeiro lembra excelência (excel), mas também aquilo que muita da clientela masculina passa o dia a ver (o excel). (N. b. que a infantilização das explicações resulta de algumas queixas, Lourenço, explique lá melhor aquelas piadas, porque senão parece o Quitério, mas ao contrário).
O nome é bom, a comida é boa, mas o restaurante é sofrível. A ver se consigo explicar.
O chefe Joaquim Figueiredo (ex-Tavares, ex-Bica do Sapato, etc.) há uns anos fez as malas para França e deu como razão o facto de os portugueses irem ao XL e acharem excelente. Na altura ri-me: o Figueiredo é o Fernando Mamede da cozinha, é claro que a culpa tinha de ser dos portugueses. Mas tem razão na análise.
O XL aproveitou, durante muito tempo, a vantagem do pioneiro (esta, querida, não preciso explicar; é gente da economia quem lê este jornal): quando houve pela primeira vez riqueza em Portugal, distribuída (esbanjada?) com alguma amplitude, em meados dos noventa, não havia um restaurante up-scale, hip, com consistência culinária, com os donos sempre na casa (menina, não posso pôr indahouse, senão vai perceber-se que ando a sair muito com garotas nascidas no pós-adesão-cee), a receberem os convidados com espalhafato, como se cada cliente fosse o special one. Quando começou, viviam-se dias felizes. Já era deslocado continuar a ir ao Gambrinus ou ao Porto de Santa Maria; as pessoas tinham começado a viajar mais, sabiam que filet gambrinus e peixe no sal, por mais dinheiro que lhes pedissem, não era comer bem. E por isso o XL, como first-mover, agarrou uma clientela. A clientela foi ficando. Os preços foram subindo. Os empregados ganhando confiança.
No XL, a comida nunca é má. O bacalhau nunca compromete, as gambas panadas com arroz de tomate simples e eficientes, os bifes são de boas vacas, as batatas fritas verdadeiras. Mas bife com batata frita é bife com batata fria. A maioria dos bifes tem nota positiva e é coerente com o nome, à excepção do com molho à Café Império que não é molho à Café Império coisa nenhuma (não invocarás o nome Café Império em vão.)
Houve a coragem e pedagogia de pôr na carta as molejas, que são petisqueiras. Houve arrojo inteligente na introdução de soufflés (prato reconfortante, barato e fácil), que são um exclusivo – onde mais é que se pode ir comer um soufflé? (Duh!, diria a minha sobrinha.)
Mas de que vale um soufflé, prato de introspecção, para debicar lentamente, com a colher à roda da tigela, se o empregado tem maneiras bruscas?
E a criadagem é o primeiro dos grandes problemas do XL, toda ela do sexo forte (já nem nos Balcões do BCP...), toda ela com a mania. Há dois tipos de empregados-eles convencidos; o Bica do Sapato (sobretudo no início), naquele estilo andrógino, “estou aqui no plateau, sou o actor, e vocês clientes são os figurantes nesta cena em que vou servir-vos uns pratos e umas bebidas”. E depois há o estilo XL, mais estival (no sentido portuário). Já vi de tudo: desconfiarem do azedo vinho, contraprovando-o à frente do cliente, esgares de espanto quando lhes é explicado que é obrigatório trazer factura, clientes famosos a serem sentados antes de clientes não famosos, sugestões de vinhos inacreditáveis. Então a menina não come mais, não gostou, ou escolheu mal?
Esta parolice tira o gosto a uns bons Ovos Viridiana (iguais aos feitos no restaurante com o mesmo nome em Madrid), estrelados, trufados e com molho de foie. E também me pareceu que o foie-gras em brioche tem inspiração no mesmo restaurante...
As sobremesas estão ligeiramente abaixo da média dos pratos, quer em variedade, quer em qualidade.
Mas a comida não ser má não justifica o preço altíssimo que se paga. É que já há muitos sítios onde se pode não comer mal. Por menos.
E deve ser para justificar os dez contos, em contos, aquele leve toque Elefante Branco do porteiro que estaciona os carros, os melhores mesmo à frente, os piores pelo passeio a baixo.
Tudo isto ainda fazia algum sentido naquela decoração escura e lúgubre, com tachos e panelas nas paredes. Mas agora, com a decoração clean-chic, espelhos, paredes brancas, pode ser Lisboa ou Barcelona. E sem patine, custa mais ser maltratado e pagar caro.

Melhor: Ovos Viridiana.
Pior: Preços bruscos e serviço absurdo. Ou vice-versa.
Pontuação: Sem estrela
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
XL, Calçada da Estrela, 57, Lisboa, Tel: 213 956 118, 20h00-01h00, encerra aos Domingos, aceita cartões, 50€/pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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