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15.12.06 

Tomo (Lisboa)

Eu não seli japonês

Escrever sobre o Tomo, excelente restaurante japonês escondido em Pedrouços, não foi uma escolha fácil: não gosto de falar do que não sei e embirro com a tendência de comer japonês (e, normalmente, com pessoas que dizem comer japonês, ir ao japonês ou, simplesmente, adorar japonês).
“Ir ao japonês” para uma publicitária de Oeiras é como “ir ao chinês” para uma cabeleireira da Rinchoa, ou “ir ao italiano” para uma médica de Telheiras. São experiências de afirmação social, sem conteúdo gastronómico. A única preocupação é de identificação estética, o statement de exotismo e manter a linha.
Por outro lado, nunca fui ao Japão, nem conheci nenhuma japonesa (em termos bíblicos), por isso pouco me habilita a falar de cozinha nipónica. E digo pouco quando devia dizer nada. Sejamos francos: que crédito daríamos às opiniões sobre pastéis de bacalhau de um geólogo de olhos em bico, à beira da reforma, a viver nos arredores de Tóquio, que nunca veio a Portugal?
A crítica de culinárias estrangeiras é o cúmulo do subjectivismo, o reino do eu gosto sobre o do é bom, do é mau porque não gosto, a ditadura do achei giro sobre o critério do bem feito.
Além desta falta de referências externas e de um paladar-histórico, há o problema de a maior parte dos restaurantes estrangeiros servir comidas que nada têm a ver com as que se comem nos países de origem (quer porque não há ingredientes, quer porque se adaptam ao paladar da maioria).
Quanto ao segundo aspecto, não havia problema: os meus amigos expats japoneses (frase à Nuno Rogeiro), sem excepção, atestam a qualidade e autenticidade superiores do Tomo.
Claro que já fui ao Nobu (de Londres), e outros quejandos, que sei a teoria, que sei como se organiza um restaurante japonês, que there’s no cheap sushi, as influências portuguesas (os fritos, a carne, o pão). Até já vi várias vezes o Tampopo (um dos melhores filmes de sempre, uma saga em busca dos melhores noodles, humor refinado, a cena deliciosa de um camarão vivo a ser comido na barriga de uma japonesa...).
Mas será que o maguro nattou estava bom? O atum (maguro) era fresquíssimo, misto de sal, sangue e mar, e, por cima, algo parecido com pepitas de chocolate envolvidas em cola bostik – é o nattou, grãos de soja fermentados, com um cheiro a queijo putrefacto, a picar na ponta da língua, mas um sabor de feijão torrado, nutty. Estavam numa caixa, escondida debaixo do balcão, que o chefe Tomo abriu com um ligeiro cinismo nos lábios, como quem diz, para a próxima pede mas é o menu sushi e não inventes. No Japão, há quem odeie nattou e quem adore: aconselho a experiência, mas não é preciso comer ao pequeno almoço como lá atrás do sol posto.
Depois, uns belos espinafres com sésamo, bem escorridos, pouco cozinhados, com sal no ponto (horenso goma), e um polvo fatiado numa malga com soja, interessante, mas melhor à galega que à japonesa (serão comparáveis?).
Um bom carapau, cru, picado com gengibre e cebola (aji tataki), e mantendo o rumo east meets west, um sushi de ovas de bacalhau que surpreende (mentaiko).
Tomo maki, o rolo do chefe, é um pouco uma mistura de demasiados peixes, num rolo muito grosso, com maionese...
Nas sobremesas (umas frutas boas de oferta) e a escolha de ozenzai (ou oshiruko), uma sopa de feijão azuki quente, muito doce, com mochi (um quadrado de arroz glutinoso, muito elástico, que absorve bem o doce). No Japão, há quem coma com umeboshi, para contrabalançar o doce, e é apreciado no Inverno.
Fica sempre a primeira impressão: uma sala minúscula, o balcão, o chefe Tomo ao fundo, avental com protecção, faca comprida, movimentos precisos, inexpressividade, e um “haai” curto mas longo sempre que termina um prato para o empregado (indiano?) levar à mesa para onde o chefe aponta com os olhos. Tomo, que cozinhou na Embaixada do Japão e no Aya, tem aparência de avôzinho querido, que leva os netos à escola, mas que de um momento para o outro pode lançar mão de uma espada escondida debaixo do balcão e fazer sushi dos clientes. O que será desculpável se for tão bom como os sushi enrolados à mão (temaki), de atum, com a alga nori a ceder aos dentes e a dar sabor à mistura perfeita na consistência do peixe com o arroz.
Mas eu não seli japonês.

Lourenço Viegas



PS – Outra vantagem do Tomo para esta época: por ser tão pequeno, não vamos lá encontrar o jantar de Natal de uma empresa. Aquele espectáculo tão triste, a mesa comprida, a obrigação de estar alegre, os presentes imbecis, as mais sérias a olhar para o telemóvel que já são dez e meia e o Jorge vai passar a buscar...


Melhor: Temaki de atum.
Pior: Ignorância do empregado sobre a comida.
Pontuação: *
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)


Tomo, Rua Praia de Pedrouços, 93, 213 010 705 (Lisboa), 12h30 – 23h00, encerra Domingo, cartões de débito e crédito, 25€ / pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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