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30.11.06 

Luís Suspiro (Lisboa)

Ordem e desordem

Desde que publico estes textos, não param de me sugerir restaurantes para criticar. Eles, normalmente, com fúria sanguinária, para os vingar de uma refeição que acharam demasiado cara; elas, sobretudo, para laudar uma noite estupenda num restaurante que vou adorar.
Como respeito pouco o gosto dos outros, agradeço, digo que sim e procuro esquecer de imediato as sugestões. Se insistem muito, ou vão ao ponto de dizer Lourenço, você podia até fazer uma piada com isto ou aquilo, sugiro que comecem um blog, ou que enviem os textos para um qualquer jornal (relembro, aqui sem cinismo, que a concorrência é fraca).
No topo dos restaurantes pedidos anda o Luís Suspiro. Estou curiosa para ver o que é que acha, eu adorei, mas o Bernardo (que pagou, penso) achou invenção a mais e diz que o cozinheiro é um convencido.
Prostituindo-me um pouco, lá decidi agradar às hostes (afinal já começou o Advento) e escrever sobre o do Suspiro, assim que passassem os seis meses de nojo desde a abertura do restaurante.
O nome “Na Ordem com.... Luís Suspiro” é péssimo. Além de lembrar um programa de rádio com um convidado rotativo, sugere que o chefe, vestido de médico, nos vai açoutar até ficarmos na ordem. O que vale é que é genuinamente simpático, sem ser impositivo, e talentoso.
O mais surpreendente é que tudo o que ouvi está certo, a comida é boa (ainda bem), o cozinheiro é convencido (ainda bem), os preços são altos (mas justos) e a invenção culinária por vezes vai longe demais (ainda bem e ainda mal).
Não se escolhe, o menu degustação é único, não perguntam se há alergias ou esquisitices (atitude afoita, mas que pode sair cara, mesmo estando muito médico à volta...).
Numa travessa, com quatro entradas, a empada de coelho à caçador estava com a massa muito dura e queimada por baixo, não se percebendo se o conteúdo era mau ou bom; o rosbife de javali (um dos empregados disse que era veado), rúcula e trufa branca sabia a pouco e a taça que pretendia desconstruir o melão com presunto não fazia muito sentido, nem era melhor do que o original (que já não é grande coisa, mesmo na saison). O melhor, neste início, foram uns pezinhos de coentrada com mousse de batata-doce, coerentes na textura e sabor.
Pensando bem, as quatro entradas servidas de uma vez, tristes, com aspecto de estarem à espera disso há muito tempo na cozinha, não têm qualquer ligação entre si, ofuscando os pezinhos dignos de nota muito positiva.
Tudo isto foi esquecido por uma magnífica sopa de lebre, substancial, a rasar um prato muito grande, com a lebre bem feita a lascar ao garfo. A espessura da essência, o tomilho e a hortelã a terem um papel determinante, a quantidade e a temperatura certas, cortada por lascas muito finas de nabo numa harmonia campestre. Donde vinha toda aquela espessura. Seria feijão? Talvez, mas parecia mais ser o sangue da própria lebre.
Depois, um bacalhau cozido a baixa temperatura, com arroz cremoso de boletus e uma espuma de queijo da serra (que provou, mais uma vez, que o bacalhau aguenta muito melhor um molho de queijo do que o bife, que é normalmente o sacrificado).
Também excelente estava o cachaço de porco de fricassé, com castanhas e legumes jovens (cenoura, courgette, espargos verdes) e alguns pinhões tostados. Gosto do fricassé mais espesso e não gosto dos pinhões queimados (é preciso ir sacudindo a panela, para os dourar uniformemente, que num ápice queimam).
Nas sobremesas, uma farófia vulcânica com lava de leite-creme, um cirquinho que deu bom resultado (ao contrário, por exemplo, do gelado de ovos mexidos com bacon de Heston Blumenthal, mais interessante da perspectiva laboratorial, mas gastronomicamente pior). As outras sobremesas estão ao nível das três entradas: pecam por um excesso de banalidade ou de criatividade. Uma pena.
Em moeda antiga, tudo isto custa dez contos por pessoa, com dois copitos de vinho razoáveis, um preço quase justo, que exige mais atenção nas entradas e sobremesas e, eventualmente, mais um copo de vinho.
A sala é muito agradável, apesar de o chalet da ordem dos médicos tresandar a messe militar. O serviço é bom na coordenação e na simpatia, talvez discreto de mais quando se trata, por exemplo, de reabastecer o pão.
Dispensava-se era que os empregados se chamassem aos beijinhos, como nas marisqueiras do Cacém. É discutível que empregados de um restaurante deste nível tenham que se chamar (Rui Costa não chamava Batistuta, sabia onde ele estava e do que precisava). Mas se é para chamar, que seja com suspiros.


Lourenço Viegas


Melhor: Sopa de lebre.
Pior: Insipidez da maioria das entradas.
Pontuação:
**
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
Luís Suspiro, Avenida Gago Coutinho 151 (Lisboa), 218 406 117, 12h30 –15h00, 19h30 - 22h00, encerra Domingo, cartões de débito e crédito, 50€ jantar (40 € almoço).

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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