Anosmia
Hoje não há circo. O urso está constipado. Não é só a rinorreia, expectoração purulenta (verde), tosse e arrepios - é também a ausência total de olfacto e de paladar. Anosmia, nos compêndios médicos. Basta o olfacto ir ao ar, para o povo se queixar que os alimentos perderam o sabor, mas na verdade é no topo do nariz que se concentram os receptores que enviam ao cérebro a mensagem principal daquilo a que sabem os alimentos. À língua e aos seus receptores fica reservada a detecção do paladar (doce, salgado, amargo, ácido e umami).
Na última semana, tenho andado assim, intermitentemente, fingindo não me preocupar. Duas saídas de casa para fazer a crítica quando achei o nariz mais apurado (testes positivos com perfume e comida em casa) e, no restaurante escolhido, assim que veio a entrada, das duas vezes, a boca dá-me uma nega.
Foi como casal estéril na festa de anos dos sobrinhos, perante o desfile de pratos, um sorriso esquizofrénico, a tentar gostar daquilo, mas a não me dizer nada. Mastigar de boca aberta, água no nariz, inspirações fundas. Nada funcionou. O bacalhau não tinha qualquer sabor. E nem me valeu um daqueles mecanismos do cérebro, que se vê nos documentários na televisão, que viesse à dobra deste blind spot gustativo e segregasse o odor do fiel amigo.
No vinho sentia-se o álcool muito ao longe, nos doces, quer eram doces, mas sem se perceber de quê.
A maior aflição foi ter descoberto que há muitas doenças que acabam com o olfacto (e ou paladar), que o distorcem, que tudo embotam ou que tornam o doce salgado. Que há quem viva assim grande parte da vida. Que até há, para essas pobres criaturas, uma indústria de substâncias químicas que aumentam o sabor, ou que recriam os sabores, não entendi bem, mas que não devem ser usadas em refeições de não anósmicos.
Claro que, das duas tentativas, houve quem se oferecesse para explicar o sabor e cheiro dos pratos. Mas não se põe assim uma carreira na boca dos outros.
LV
Hoje não há circo. O urso está constipado. Não é só a rinorreia, expectoração purulenta (verde), tosse e arrepios - é também a ausência total de olfacto e de paladar. Anosmia, nos compêndios médicos. Basta o olfacto ir ao ar, para o povo se queixar que os alimentos perderam o sabor, mas na verdade é no topo do nariz que se concentram os receptores que enviam ao cérebro a mensagem principal daquilo a que sabem os alimentos. À língua e aos seus receptores fica reservada a detecção do paladar (doce, salgado, amargo, ácido e umami).
Na última semana, tenho andado assim, intermitentemente, fingindo não me preocupar. Duas saídas de casa para fazer a crítica quando achei o nariz mais apurado (testes positivos com perfume e comida em casa) e, no restaurante escolhido, assim que veio a entrada, das duas vezes, a boca dá-me uma nega.
Foi como casal estéril na festa de anos dos sobrinhos, perante o desfile de pratos, um sorriso esquizofrénico, a tentar gostar daquilo, mas a não me dizer nada. Mastigar de boca aberta, água no nariz, inspirações fundas. Nada funcionou. O bacalhau não tinha qualquer sabor. E nem me valeu um daqueles mecanismos do cérebro, que se vê nos documentários na televisão, que viesse à dobra deste blind spot gustativo e segregasse o odor do fiel amigo.
No vinho sentia-se o álcool muito ao longe, nos doces, quer eram doces, mas sem se perceber de quê.
A maior aflição foi ter descoberto que há muitas doenças que acabam com o olfacto (e ou paladar), que o distorcem, que tudo embotam ou que tornam o doce salgado. Que há quem viva assim grande parte da vida. Que até há, para essas pobres criaturas, uma indústria de substâncias químicas que aumentam o sabor, ou que recriam os sabores, não entendi bem, mas que não devem ser usadas em refeições de não anósmicos.
Claro que, das duas tentativas, houve quem se oferecesse para explicar o sabor e cheiro dos pratos. Mas não se põe assim uma carreira na boca dos outros.
LV