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1.6.07 

Ikea (Alfragide)

Comida de utilidade pública

O plano era simples: encontrar argumentos para dizer bem de uma escolha inesperada, de uma cozinha objectivamente má. Como, por exemplo, defender a obra de Mário Cláudio, ou as ideias políticas de Manuel Alegre. Mas fracassei. No self-service do Ikea, a comida é naturalmente má.
Um self-service em sentido estrito (tabuleiro em carris de metal, linha de montagem da refeição, as águas, as saladas, as sobremesas, o prato quente, as bebidas, os guardanapos, os molhos e a caixa) é a antítese da qualidade, do conforto. Como é que aquela comida, dissecada por uma espátula de um carrasco de touca branca, atrás de um vidro fosco de unto, pode saber bem?
Pior que o conceito self-service de carril é o buffet. Porque, aí, há normalmente cagança: o brunch em Lisboa, o jantar no Marriott da Praia d’El Rei, ou o cozido na Comenda. Tudo modos de acautelar os interesse dos restaurantes, que poupam em empregados e impingem sobras, restos e comida que de outro modo ninguém pediria.
As almôndegas no Ikea lembravam carne no sabor, mas aquela textura de onde vinha? E o cheiro a escola, prisão ou hospital?
E, de repente tudo fez sentido: comida de refeitório porque estamos numa Instituição de Solidariedade Social, de reconhecido interesse público na libertação de um país do jugo estético de Paços de Ferreira, da moviflor e da dartimóveis – triunvirato que arruinou lares, a causa daquela respiração profunda sustida antes de entrar na casa de quem quer que seja e de se ver ao fundo o móvel na sala de prateleiras de vidro, os chesterfields da capital do móvel, entregas grátis em todo o país.
E não há-de o governo querer uma fábrica da Ikea em Portugal? Com o que poupará em custos de divórcios, do tratamento de depressões e suicídios...
E face a isto, aqueles raviolis de carne, molho branco enjoativo, nem são assim tão maus – são parte do preço da harmonia estética de milhões de famílias.
Há também, no Ikea, o bistro, com cachorros a cinquenta cêntimos. A milhas dos servidos nas ruas de Nova Iorque, fumegantes (as ruas, os cachorros e as nossas bocas), mas interessantes.
Impossível dizer melhor, surpreender, ser diferente.
Voltando às almôndegas, o molho castanho lá ia relembrando que eram de carne as bolas trincadas. E a mistura sugerida das almôndegas com a compota de mirtilos, péssima, a acentuar a diferença entre o nosso paladar e o sueco, e a fazer da comida libanesa uma especialidade transmontana.
E o facto de já nem sugerirem a compota para acompanhar as almôndegas mostra muito das duas velocidades do caldo cultural de um povo que rapidamente substituiu o São José de Azulejos por bolas de decoração Mäkta (€3,99/ unidade), mas que resiste em meter na boca, ao mesmo tempo, bolas de carne e compota da avó.




Lourenço Viegas

contraprova@gmail.com
www.contra-prova.blogspot.com


Melhor: O cachorro.
Pior: A artificialidade do paladar.
Pontuação: Sem estrela
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
Ikea (Restaurante e Bistro), EN117, Alfragide, 214 705 050, 08h30- 22h30 (seg. a sáb.), 08h30-13h00 (domingos e feriados), cartões de débito e crédito, 7€ / pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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