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13.7.07 

Olivier Café (Lisboa)

Uma questão de jeito

Nunca tive jeito para nada a não ser para topar o jeito dos outros. Olhando para trás (por que é que o passado não há-de estar em cima, ou ao lado?) vejo que distribuí sempre a minha admiração por quem tinha jeito para qualquer coisa. Valorizei sempre as qualidades inatas sobre as adquiridas, o talento sobre o trabalho, o jeito sobre a técnica aperfeiçoada. Não é ponto de orgulho – ou desorgulho –; é um dado.
No Colégio dos Carvalhos, fui sempre o melhor aluno a Latim (horas de estudo, um tio padre, etc.) mas o Augusto António tinha mais jeito e portanto era para mim o melhor no Latim.
Na cozinha, também dou por mim a separar instintivamente os cozinheiros que têm jeito dos que o não têm.
Num nível muito alto de cozinha, isso é difícil, mesmo entre dois bons cozinheiros: claro que o Sobral tem jeito, mas terá jeito o Koerper? Mas num nível mais rasteiro, é mais fácil ver onde anda o talento.
Serve toda esta conversa como um aviso explícito de que admiro cozinheiros que têm jeito, que escolhem quem tem jeito para os ajudar e cujo talento que não brotou de um esforço contra-natura se sente em cada prato. Gosto destra ironia da vida, de quem consegue qualidade com menos esforço.
E apetecia-me adiar mais a entrada do texto no restaurante e continuar a falar do jeito, de como é das melhores surpresas numa mulher descobrir-lhe o jeito com os tachos, a magia num arroz de tomate. Mas não posso.
Há muitos anos que tenho para mim que das cozinhas onde mais jeito há é nas do Olivier Costa. Claro que sei que é uma afirmação que me pode sair cara, que é contraditória com aquilo que (se) esperava que eu dissesse.
Mas como nunca tive pejo em dizer que gostava de restaurantes com má comida, também não terei qualquer problema em explicar que o Olivier Café é um restaurante em que só gosto da comida, não do resto.
O jeito começa a notar-se nos carpaccios de polvo e novilho, bem cortados, bem temperados, com a cebola no equilíbrio certo. Um foie-gras médio-bom com flor de sal e compota de cebola. Um excelente folhado (que não é folhado em sentido próprio) de queijo de cabra, na proporção ideal, bem cozinhado – há tanto sítio onde a massa vem ainda crua.
Também as vieiras com um molho leve de açafrão, caril e manteiga, numa combinação de vieiras que surpreende, daquelas a que parece ter-se chegado por acaso (quem pensasse muito sobre comida não me parece que tivesse lá chegado).
O chefe Olivier (só a qualificação “chefe” sei que arrepia o núcleo duro da cozinha portuguesa, dos estudos, dos diplomas) anda por ali pela sala, num estilo de restauração que também faz falta e de onde saem excelentes pratos.
Abeira-se das mesas com uma intimidade instintiva a perguntar se a vitela branca com manteiga de ervas e alho confitado está boa. Está mesmo muito boa, já cortada, a manteiga por cima muito agradável, um leve adocicado naquele molho que não percebi vir de onde. E fica bem, muito bem com aquela massa com molho de parmesão, a tresandar a trufa branca e trufa preta.
A comida é simples, testada – a carta inteligente. As sobremesas adequadas ao público – o que é uma pena: petit gateau, manga, sorbet de maçã verde e vodka.
É também dos poucos restaurantes em que a qualidade da comida suplanta a exigência do género de pessoas que por lá come. Há sempre algumas mesas em que as senhoras, muito jovens, mas muito pintadas e com a pele a esfarelar de tanto sol, acompanham a refeição com caipirinhas...
As refeições ficam caras (é também uma arte ter uma carta que parece que tudo fica mais barato do que fica...), o que não parece preocupar qualquer dos comensais. Na verdade, estão ali porque gostam de ir ao Olivier. Mas quando olho à volta, sandálias de tacão em cunha de cortiça e camisas de linho abertas a dizerem banalidades sobre vinhos penso: será que reparam que estão a comer bem?






Lourenço Viegas

contraprova@gmail.com
www.contra-prova.blogspot.com


Melhor: Vitela branca.
Pior: O estilo das sobremesas.
Pontuação: **
(Sem estrela - De incomestível a come-se; * - Bom; ** - Muito Bom; *** - Excelente; **** - Excepcional)
Olivier Café, Rua do Alecrim n.º 23, 213 422 916, 20h00-00h00 (seg. a sáb.), cartões de débito e crédito, 45€ / pessoa.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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