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3.10.07 

Instituto Macrobiótico de Lisboa (Chiado)

Os maluquinhos da R. Anchieta

Uma das superioridades do cristianismo está na ausência de normas alimentares. É por isso que se come melhor em Itália do que no Iémen ou em Israel. Por que raio então é que alguém, por razões da cuca e não da tripa, vai comer ao Instituto Macrobiótico de Portugal? O que leva alguém a comer jardineira de seitan e não de vaca? A comer cheesecake de alga ágar-ágar e não de queijo? A não comer nem carne, nem ovos, nem leite, nem açúcar? A desconfiar do tomate?
É claro que se pode dizer que é uma pancada, um querer ser diferente, não gostar de comer, complexos de inferioridade, ou apenas o ter tido uma mãe com tanto jeito para a cozinha como o Joe Berardo para falar português. Mas seria demasiado fácil - e falso - explicar assim o fetiche macrobiótico. Todos os extremismos gastronómicos – vegetarianismo, veganismo, halal, kosher, canibalismo... – devem ser respeitados. Por três razões.
Primeiro, porque correspondem a uma crença de quem os pratica. E o lado bocal do ser espiritual merece sempre respeito. Assim, se os seguidores de Ohsawa e de Kushi da Rua Anchieta acham que a sua maneira de comer promove a harmonia e a paz, merecem respeito. Até porque de facto parece promover: é calmo e sereno o ambiente no segundo andar com elevador que ninguém usa, pé direito demasiado alto para pernas curtas, uma mesa comum, todos falam com todos, gente nova e velha, mais gira do que feia.
Segundo, os extremismos gastronómicos levam a um maior cuidado no que se come. Mesmo o veganismo mais primário do não comerás nem carne nem peixe nem leite nem ovos (do "eat shit"), tem a vantagem de tornar menos apetecível o toucinho ou a lagosta, que em excesso não são nada bons para as linhas do corpo e da vida. Mas na macrobiótica, a dieta é mais elaborada, mais sofisticada. Ao não-comerás, junta-se um sábio como-comer, da mastigação dos alimentos, lenta e ruminante. Tudo isto se topa durante a refeição completa, a oito euros, e prato único que muda todos os dias, enquanto duas senhoras ponderam tirar os filhos da escola e ir viver para uma comunidade isolada no Alentejo profundo (para poderem comer feijoada de lebre sem ninguém ver?).
Terceira razão: os extremismos gastronómicos, pela redução da matéria-prima, levam à sua infinita exploração e destruição criativa. E aqui, o crítico tem que se render ao que se come no Instituto Macrobiótico de Lisboa, os caldos, com miso, cristalinos, fortes, reconfortantes e depois os pratos, uma surpresa. Seja millet ou cuscuz ou bulgur ou feijão azuki, é sempre boa a mistura com o molho de pimento, ou de abóbora okaido (que a comida macrobiótica tenta ser local e sazonal), com gengibre lá no fundo. Depois os legumes, sempre bem cortados (que também aqui a macrobiótica tem as suas teorias), encrudados o suficiente, salgadinhos (confesso que foi o seu desprendimento em relação ao sal e aos óleos que me tornou tolerável à macrobiótica), a contrariar quem diz que esta é comida sem sabor. O equilíbrio dos pratos e a exploração de combinações raramente sai mal (a macrobiótica, antes da nouvelle cuisine, pensa as cores dos pratos e a conjugação dos cinco tipos de sabor), excepto talvez naquelas sobremesas, sempre a quererem ser o que não são, sem açúcar, sempre curtas em relação às originais.
Como qualquer fetiche, o gastronómico tem piada – de vez em quando. Mas enjoa quando é erigido em parafilia exclusiva. É a diferença entre ter umas algemas na gaveta das t-shirts ou uma masmorra na cave. Deixe os velhos preconceitos em casa, almoce no Macrobiótico e sinta-se em paz com os novos preconceitos. A comida é boa, mas não abuse, que tanta harmonia faz mal à saúde.



Rua Anchieta, 5 - 2º Esq. (Chiado) ****Bom
21 324 2290. Só almoços

(*Péssimo; **Mau; ***Razoável; ****Bom; *****Muito Bom; ******Fora de Série)

Lourenço Viegas
Time Out Lisboa, n.º 1, 26 Set.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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