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26.10.07 

Presuntaria do Tejo (3/6)

Ourivesaria do Tejo

Há mnemónicas que ajudam o crítico gastronómico. Entrar e olhar para a clientela: um restaurante japonês com japoneses é muito bom, um restaurante italiano com brasileiros é mau, um restaurante português com espanhóis é bom. Foi isso que pensei quando ouvi várias mesas a falar espanhol na Presuntaria do Tejo.
Não duvido que os espanhóis gostem de presunto - têm-no bom (não, não é piadola, alusão a coxas de fêmea, nem maneira de lhes chamar porcos) - e que tenham gostado daquele que servem na Expo, bem cortado, bem curado, de perna e não de pacote, bem escolhido e húmido. Ligava bem com o esparramado de queijo de ovelha (no bom queijo, sente-se lá no fundo o azedo do pasto verde, estrumecido e orvalhado).
E a carta, vem ou não? Continuam as entradas. Torresmos agradáveis (os torresmos, se não estão secos, são bons), tomates-cereja com azeite e vinagre, que permite a graçola ao dono, "o Sr. Silva já tem tomatinhos?"; camarões panados com uma compota- cum-chutney, banais os bichos, surreal o molho; ovos verdes, muito amarelos e pouco verdes, que os tornava despercebidos ao paladar. O que não passa despercebido é o doce de abóbora naquele crepe de queijo, demasiado presente – e ainda me hão-de convencer da combinação de queijos frescos (em sentido lato) com doces igualmente redondos, sem pico.
Mas a carta não vem? Mais entradinhas. Uma concha gratinada de camarão e maionese, coberta com queijo tosta-mista, um misto de agradável e desagradável, que maionese quente é sempre asneira. Um papelote de bacalhau muito bom fez esquecer o resto.
Finalmente, uma indicação: podemos seguir com mais entradas ou passar para um prato. Tudo sem ementa, sem aviso de preços. Tudo à confiança na simpatia do dono bem-disposto, de piada adaptada aos humores das mesas, sempre em cima do acontecimento, das falhas de pão ao copo vazio.
E aqui saltamos para o fim da história, que custou quarenta e cinco euros por pessoa, sem vinho. Isto levanta uma série de questões. O preço deve ser tido em conta quando se avalia um restaurante? Há quem diga que não. Parvoíce. A crítica de restaurantes é o serviço público da democracia do gosto. Um restaurante tem boa ou má comida, independente do preço, mas é um bom ou mau restaurante se essa comida valer o preço cobrado. E na Ourivesaria do Tejo há uma desproporção abissal entre o desfile de entradas e o desmando da saída. Restaurantes de carta escondida, oculta na simpatia do dono, são bons para o Cristiano Ronaldo, embeiçado pela Merche Romero, pendurados na parede, quem vai para o WC. Restaurantes em que os preços e métodos são estabelecidos tendo em conta uma procura que a eles não é sensível são como piscinas com a temperatura da água regulada a pensar num bando de focas. Restaurantes para futebolistas e cartões de crédito de empresas deviam ter aviso à porta. Os camarões com arroz e o polvo não estavam maus: boa textura, frescos, o polvo sem estar rijo. Nas sobremesas, o bolo de chocolate é bom, recente, amanteigado, coerente, mas o gelado de nata, mau, banal, sem sentido. Por metade do preço, seria um bom restaurante.
Os espanhóis iam saindo satisfeitos: não tinham comido mal e a decoração bem mais cuidada do que o modelo de arquitecto da ARESP que pulula pelo país suaviza o assalto. Há alguma coisa a fazer?
O A. A. Gill (crítico do The Times) aconselhou-se com um advogado amigo e recomenda que nestes casos de extorsão, se deixe o preço considerado justo na mesa com o nome e o n.º de telemóvel (o que inibe o processo-crime), se explique o sucedido e se saia porta fora: poucos donos terão lata de levar o caso a Tribunal.


Presuntaria do Tejo
R. Ilha dos Amores, Lt 4.07.01, lj G
218 957 227

***Razoável
(* Péssimo** Mau*** Razoável**** Bom***** Muito Bom****** Fora de Série)

Lourenço Viegas
Time Out, n.º 5, 24 Out. 2007.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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