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25.10.07 

Sul (2/6)

A Sul de lado nenhum
Qualquer revista feminina o diz: o casal só deve viajar se não houver tensões – as viagens apenas agravam, nunca resolvem, os problemas. Nos restaurantes é igual: o pior erro de um mau restaurante é a babelização da cozinha. Depois acontece como no Sul, enfiados numa montanha russa em digressão rápida pelos horrores de uma comida latino-mediterrânica sem Norte.
Com o wok de porco e sua lavagem de legumes na frente ouço-os a dizer "eh pá, que bela vida, essa de crítico gastronómico, sempre a comer em restaurantes do bom e do melhor". A carne cortada às tiras, mal capada, demasiado salgada, uma mixórdia de legumes feia e sem sentido. Como respeito muito os cozinheiros – os empregados, gerentes e donos, por esta ordem também, mas nem tanto –, raramente deixo comida no prato. Mas o wok lá teve que voltar, cheio, pouco tocado, envergonhado, que a Time Out não faz seguro e o crítico não quis arriscar muito. Diziam que era agridoce, o wok, mas nem se notou tal coisa. Que bela vida...
Houve também um risotto de espargos verdes. Um mau restaurante não pode ter risotto, como o casal desavindo não deve fazer o Natal lá em casa (fazer o Natal é das mais certeiras expressões ). É que basta olhar de longe para perceber que está tudo mal, a consistência que não existe, a ligação dos elementos feita por justaposição casual, sem afinidade ou entrosamento. Já para não falar da mania dos espargos verdes, até no Outono quando já cheira a castanhas, sem qualquer compensação palatal naquele monte verde.
As carnes dos bifes grelhados e na pedra escaparam ao desastre total – isto se esquecermos a salada, desproporcional, mal temperada, vidros de agrura verde, com cenoura ralada a-la-cantine, ou os molhos que acompanham, veneno de víbora que, numa gota, mata o bom da vaca. Do lombo na pedra, nada a dizer - a não ser que continuo sem compreender como é que alguém pede bife na pedra num restaurante.
Pode acompanhar tudo isto com umas batatas gratinadas, pouco coesas, ou um puré de cenoura e coentros, de sabor agradável mas padecente de fibrose dos talos.
Talvez fosse melhor pegar em todas as pedras do bife e usar a argamassa chamada raviólis de farinheira e aipo, empilhá-las e enviar para reforçar o paralelo 33.º, que divide, lá na Coreia, o Norte do Sul. É que mesmo no Bairro Alto, na rua do Norte, em que a moda anda tantas vezes desnorteada da consistência e da qualidade e o turista muitas vezes gosta de, mesmo em Lisboa, comer uma salada libaneza (sic), com grão e espinafre vermelho, de um azedo-iogurte muito forte, mesmo aqui, é genuína e forte a dúvida sobre o sentido deste tipo de restaurantes. É claro que um restaurante faz sentido enquanto tiver clientes, e muitos dos clientes do Sul não jantam lá pela comida, mas pelo espaço (melhor vazio do que cheio) e pela localização. Mas esconder maus pratos debaixo de boas capas de Lonely Planet é como colar um autocolante da Porsche num Seat: cada vez menos gente acredita. Sobretudo depois de comer os anti-raviólis betuminosos (ou seriam empadas de farinheira não cozinhadas?).
As sobremesas boas são engodo doce na boca do casal que arrasta muito o jantar, para terminar o vinho que se esforça por apreciar, e que fica "à conversa" com o café, naquela descontracção burocrática de quem faz horas para ir beber um copo "a qualquer lado". De tanto depenicarem o leite-creme (crème brûlée, que o restaurante é internacional), raspando a taça com duas colheres-adagas, até há o risco de não repararem na conta, não percebendo que pagaram trinta e cinco euros (sete – contos – sete), cada um, para comer muito mal.

Sul
Rua do Norte, 13 (Bairro Alto)
213 462 449
**Mau

(* Péssimo** Mau*** Razoável**** Bom***** Muito Bom****** Fora de Série)

Lourenço Viegas
Time Out, n.º 4, 17 Out.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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