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10.1.08 

Restaurante El Corte Inglês (4/6)

El corte espanhol

Havia, na escola das minhas filhas, uma Ana de Cátia. E sempre que alguém dizia Ana Cátia, lá vinha ela corrigir e realçar o “de”. São os pequenos pormenores, como os nomes, que marcam a determinação das pessoas. É igual no Corte Inglês, onde somos bombardeados por alto-falantes a lembrar que o Corte Inglês é o El Corte Inglés.
Em regra, no Corte Inglês nada é deixado ao acaso. Dizem que a maioria dos empregados são licenciados. No Restaurante há também uma preocupação determinada para que as coisas corram bem. O serviço é correcto, profissional, flexível e simpático. Por vezes algo lento. Mas se tem pressa, há sempre a cafetaria.
A visita ao Corte Inglês levantou uma questão: até que ponto é que o crítico deve olhar aos aspectos laterais da refeição? Não estou a falar da decoração (que é sóbria e agradável), nem da vista (diferente da clássica vista do castelo). O restaurante do Corte Inglês proibiu que se tirassem fotografias para publicação sem saberem antes se a crítica ia ser boa ou má (calculo que só autorizariam se a crítica fosse boa).
Deve este facto influenciar o que se diga sobre o restaurante? Em princípio não. É normal que um restaurante-empresa se queira proteger do restaurante-cozinha. Na verdade, o gestor do restaurante não tem culpa que lá dentro se tenham esquecido de pôr um grão de sal na sopa de castanhas e cogumelos (como aconteceu). Como também não tem culpa nenhuma se, por acaso, um dos camarões com pinhões estiver completamente verde por dentro (como aconteceu).
É que pode acontecer que o crítico vá lá num destes dias de azar e fique tudo estragado. E depois alguém tem de responder ao chefe (que deve ser um espanhol com cara de Camacho), conho, então deixou estes hijos#$"# fotografarem? Bom, na verdade, podem sempre fazer como os outros, que autorizaram a fotografia e depois de lerem a crítica vieram dizer que não autorizaram – mas no Corte Inglês é tudo gente decente.
Por isso não deviam ter tido medo. Os elogios que se seguem podiam estar agora ilustrados por uma bela fotografia, sem ser da fachada e do cartão. Azar.
Depois da sopa de castanhas e cogumelos sem sal e do camarão verde, as coisas só podiam correr melhor. E correram.
Ostras gratinadas com sabayon, fortes, interessante o contraste do mar a arrebentar lá por baixo, depois de ultrapassada a consistente carapaça de ovo (claro que ostras ao natural são sempre melhores do que qualquer variação). Um bom bacalhau em crosta de broa, batatas a murro. E sempre que como um bom bacalhau em Espanha (sim, porque o Corte Inglês é como uma embaixada) lembro-me dos que acham que só há bacalhau em Portugal, ou que quando o comem cozinhado por nossos hermanos dizem que o nosso é melhor.
Paletilha de cabrito, a esfiar bem, com tempero prévio e excelentes batatas e cebolas, tudo bem forneado. Um pernil de porco no forno, bola de futebol glazeada com mel e umas migas de feijão sólidas, compactas, escuras. O porco a fumegar, húmido e a lascar, vermelho escuro. A pele com uma gordura saborosa e não ordinária.
Filetes de dourada em pão interessantes, com travo a funcho, a crosta de pão dura a pedir faca de carne (que veio). De postre, mousse de maracujá boa, boa escolha de queijos, pudim de cholcolate sem graça e um bom strudel. E tudo isto acaba numa factura muito razoável.
E já agora, o restaurante do Corte Inglês não é um daqueles ao pé do supermercado, nem é a cafetaria gigante. É lá em cima, junto à cafetaria mas mais requintado e mais pequeno. E não está aberto ao jantar (vá-se lá saber porquê...).


Restaurante El Corte Inglés (7ºPiso)Av António Augusto Aguiar
Time Out n.º13, 19 de Dezembro.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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