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10.1.08 

A lei do tabaco

Não me obriguem a comer com isso!

Doutores e marias das dores, comentadores e comendadores, tudo bota faladura sobre a nova lei do tabaco. Muito barulho para nada. A proibição de fumar em restaurantes é coisa óbvia e de pouca monta.
Há o argumento da liberdade e dos direitos do fumador. Direito de prejudicar a saúde de outrem para satisfazer um vício, ou um prazerzinho, é coisa que apenas existe para quem vê o mundo à distância do seu catarro. O direito do fumador é tão sagrado como o direito do escarrador. Com a diferença de que o escarro no chão não liga a dona Júlia da pastelaria Ideal a um ventilador aos cinquenta anos. Mas o que vale a agonia de um empregado de mesa contra o prazer do cliente?
Era como se alguém insistisse em urinar no lavatório dos restaurantes ou soltar uma sinfonia flatulente depois de cada refeição. "Desculpe lá, sabe, é que eu tenho este vício e é a minha liberdade que está em causa". Mesmo uma mijinha num lavatório, se depois se abrir a torneira, prejudica menos a saúde do que respirar o maço de Marlboro Lights das unhas pintadas da mesa da frente.
E com os argumentos de saúde se resolve, entre gente civilizada, a discussão. Os fumadores têm direito a fumar, claro. E ao seu cancrozinho e às suas papilas gustativas mortas. Mas não me obriguem a comer com isso.
Há ainda o plano gastronómico e estético.
Estou convencido (esta expressão é utilíssima quando não se tem a certeza do que se vai dizer a seguir) que os restaurantes ganham com esta nova lei. Melhor ambiente, menos lixo para limpar, clientes a viverem mais anos, menos baixas médicas do pessoal. O que perdem em cafés vão sobretudo ganhar na rotatividade das mesas que já ninguém se vai arrastar, a "fumar só mais um cigarrinho", antes de voltar para o serviço às três e meia, que a hora de almoço é da uma às três.
Há também o argumento do prazer na refeição de um não fumador. Admito que poucas vezes um cigarro alheio me estragou a refeição. Mais vezes me tenho sentido
tentado a reclamar (a omertá de um crítico faz com que nunca reclame nem peça livros de reclamação) com o bife na pedra da alarve mesa do lado.
O que me dói mesmo são os gestos mágicos que se vão perder: o maço de tabaco segurado entre o polegar e o indicador levado à mesa, com o talão de caixa, o empregado à espera do taco porque o tabaco é pago no acto da entrega (entrega é aqui uma expressão tão subtil), e o bascular autómato e copperfieldiano do empregado quando retira em castanhola o cinzeiro sujo encimado pelo limpo para devolv er apenas este. Aparte estes gestos, é só fumaça.


Lourenço Viegas
Time Out n.º 15, 9 de Janeiro de 2008.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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