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28.2.08 

Toscano Casa de Pasto (4/6)

Bom e barato (não estão sempre a pedir?)

A crítica gastronómica tem uma enorme semelhança com a prostituição. É fazer por profissão o que a maior parte das pessoas faz por prazer. A semelhança pára aí, pelo menos por aqui. A questão não é o fazer por dinheiro. Os advogados, os padres e os contabilistas também têm salário. A diferença está no fazer por obrigação o que outros fazem apenas por prazer. Ninguém faz contabilidade por prazer. Ninguém janta fora obrigado.
E a pergunta que todos fazem, ao crítico e à meretriz, é se às vezes ainda têm prazer no comer.
E são estas reflexões que levam ao Toscano, Casa de Pasto. Que belo nome. Deve lembrar, no cérebro, lá atrás, "comer pasta numa casa na Toscânia". Mas é apenas um tasco. Onde tudo corre bem. E barato. Onde não é preciso o crítico fingir-se prazer para saber se terá prazer quem cá vier só por prazer. Para almoçar com a colega lá do hospital. Com os amigos. Até com a família. Os peixes frescos. E variados. Verdadeiros, sem perca ugandesa passada por cherne, nem pota por lula (a troca do o pelo u dava um trava-línguas engraçado... nem lula por pota nem lola por...).
O peixe é bem grelhado. Acto simples, à frente de todos. Nem demais, nem de menos (por que é que demenos não é pegado, como demais?). Escalado ou não. No momento certo. Sem pressas, nem demoras. Com uma amizade.
O bacalhau é honesto. As minhas madalenas proustianas – não confundir com prostitutas madalenas - andam muito ali pelo cheiro de uma sertã com alho esbarrado com uma posta de bacalhau em cima a fumegar, quase a queimar nas pontas. E depois, lá vem para a mesa, em travessa, escangalhado. Batata a murro, com icterícia de tanto azeite bebido. Abstrair da barulheira do Toscano e lembrar o prazer de um punho cerrado, um pano de cozinha a defender a batata ainda inteira e plof, achatar-se. Que belo bacalhau.
Nas paredes, o bigode do Bento, cassetetes de polícia, o Magnusson, algemas, piadas primárias, cachecóis envoltos em plástico, para não estragar, como os comandos de TV nas pensões. Uma sala do museu do kitsch, sem ser paga pelo contribuinte. Às vezes, soltar o taxista que há em nós é terapêutico.
As sobremesas são saborosas. Mousse de chocolate enriquecida, sólida. Arroz doce como em casa. Pudim de fatia generosa. Pudim é flan, claro. Venho fazendo as pazes com o pudim (flan, claro).
E os empregados com piada. Abaixo do limite da parvoíce. Mouros de trabalho. Formigas orquestradas. Falam num sistema decimal. Uma dose são dez. Três são trinta. Há mais códigos, mas ainda não aprendi.
É um restaurante normal, como se querem os amigos. Aqueles amigos honestos, com piada, que não nos pedem mais do que naturalmente lhes damos. Lourenço Viegas

Toscano Casa de Pasto.
****Bom

Rua do Sacramento a Alcântara, 74
TIme Out n.º 22, 20 FEV08.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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