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13.2.08 

Espaço 10 (2/6)

Viola sem maestro

Os restaurantes são as amantes dos homens sérios. Chega-se ali a uma idade na vida e precisa-se de uma coisa diferente, uma coisa nova. Um qualquer sorvedouro de energia e dinheiro. Ter uma amante é fácil. Haja dinheiro. E tempo. Mas gente trabalhadora não escolhe o caminho mais percorrido. E para ajustar as agulhas entre estações da vida escolhe abrir um restaurante. Acontece muito. Falha sempre.
Mas há homens sérios que estão acima dos homens sérios. É o caso do Rui Costa. Homens que não precisariam de abrir restaurantes. Mas abrem. E falham.
Um tomate com mozzarella, o queijo estranho em cima de um tomate assim como nós o comemos em casa, mal escolhido (o que há no frigorífico), mal cortado, com grainhas e pele e as rodelas grossíssimas. E o pesto lá em cima, lágrima verde escura de um prato falhado. Creme de legumes, sem história, consistência abatatada. Umas gambas al ajillo (à guilho, à jilho, al guilho, al jillo, a la alguilho) a nadarem numa poça de gordura saborosa.
Ingenuidade toda naquele modelo de ementa em que se escolhe, para cada prato um molho e dois acompanhamentos (ideias de marketing de vão de escada – "assim, dá-se mais liberdade ao cliente"). Gratinado de legumes péssimo (das poucas coisas que me lembro de não ter conseguido engolir), nada gratinado, a batata a esfarelar (como quando vai ao micro-ondas), os legumes de uma consistência estranha.
Também na consistência, falhava o polvo à lagareiro (a esfarelar), em cima de uma montanha abissal de grelos em juliana.
O que vale é que é um restaurante de atitude séria, de empregados profissionais (podia bem ter sido ao contrário). No serviço, não há falhas, nem de tempos, nem de compreensão, nem de atitude. O que faz ser uma experiência ainda mais sem sentido.
E o sentido de oportunidade do maestro? Aquele que via sem olhar, aquele que descobria espaço no vazio. Aquele que servia com elegância e sabia sempre para que câmara olhar, quando assistia, quando marcava, quando falhava, quando ria e quando chorava (e só agora a meio do texto, um flash daquele golo um a zero na meia-final contra a Austrália fim da primeira parte, meio milhão de pessoas no Estádio da Luz , 1991).
Parecia vindo da Austrália, a nado, o borrego das costeletas que não sabiam a nada, desenxabidas com um molho barbecue adocicado (para amarguras, bastam as da vida, dizia o meu avô, quando punha açúcar no vinho). Igualmente mau aquele bife oval, carne ligeiramente agre, batatas fritas de tamanho certo feitas em óleo incerto. (Lourenço, cuidado, olhe que o Rui Costa foi a única pessoa a quem o Berardo teve que pedir desculpa.) Melhores, os secretos de porco e o creme "segredo do chefe" para barrar o pão, no couvert.
Gelados banais (seriam olá fresquinho?), tarde de maçã razoável, frutas exóticas mal cortadas, arremessadas num prato.
Tudo num espaço que arquitectonicamente (acho que nunca tinha usado a palavra) mistura casa de meninas fashion, com bar de aeroporto, paredes riscadas, vidros sujíssimos, chão descuidado, a trinta euros por pessoa.
Se é sempre cem vezes mais difícil fechar um restaurante do que abri-lo (como as amantes), a dificuldade dobra quando o restaurante está ligado a uma pessoa (seja um futebolista, cantor, ou mesmo um chefe). É que não se fecha só um restaurante, fecha-se um pouco da pessoa. Felizmente, no Espaço 10, não há idolatria, não há troféus nem camisolas. Vai ser mais fácil. A não ser que haja uma chicotada psicológica.
É que no Espaço 10 já há muitos espaços vazios. Faz mesmo falta um Batistuta na cozinha a marcar os golos a passe do maestro.

Lourenço Viegas
Espaço 10
Atrium Saldanha
** mau

Time Out n.º 19, 6 de Fevereiro de 2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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