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13.2.08 

Horta dos Brunos (2/6)

A ho(n)ra dos burros

É comida de Tondela a preços de Trondheim. Sem ementa, sem preços. Sem aviso prévio. Sem factura discriminada. Cem euros, duas pessoas. Quase, quase. Exagerei por cinco euros. Para rimar. Às vezes vêm à mesa e perguntam quanto se quer pagar. Arredondam o preço. Têm bons vinhos. Devem ter, para quem goste. No CCB também há. Mas nisto de ser melhor o comer ou o beber, aplica-se o dizer do pregador "quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros" (descoberta da semana: Padre António Vieira e Bob Marley nasceram no mesmo dia, seis de Fevereiro. Paz aos profetas da palavra). De volta à Horta dos Brunos, ali no Bairro das Ilhas, Lisboa insular, labirinto de ruas sem estacionamento. Na Horta há valet parking. Há muita fama. Também há muita comida. Muita gordura (azia). Há de tudo. Boa e banal. Sobretudo banal. Interessante e nem por isso. Entradas despejadas na mesa, sem apelo nem agravo, um tapete de sushi em cada braço dos carregadores brasileiros. Chamuças, rissóis e pastéis de bacalhau, nem bons nem maus, tasqueiros. Cozinha de economia (caseira). Pimentos de Padrón bons. Como sempre são. O sal que lhes rebenta na pele (como os rapazes de Nava), o risco de ser um picante e aquele picar miudinho de jalapenho iberizado.
A vida ensina-nos muitas coisas. Coisas que normalmente não aprendemos. Quem nos diz qualquer coisa fala mais de si do que da coisa. Percebi isto quando, nos períodos entre mulheres, me recomendavam, uma amiga. É como quando me recomendam restaurantes. Ninguém está preocupado comigo, ou com a difusão do restaurante. Como com as amigas com quem devia ter casado, apenas recomendam restaurantes onde eles gostam ou gostariam de ter comido. Tens que ir à Horta dos Brunos. Quem diz é quem é. E é sempre um apreciador de vinho. Já devia ter aprendido. Mas não. Lá vou eu. Como quando o meu irmão me recomendava uma amiga eu já devia saber que a pessoa era sempre menos do que o decote. O apreciador de vinho revela perante a comida uma preferência pela liquidez.
Os portugueses recusam-se a tapear. Não há jantar fora sem prato principal. Sem comida, diz-se. E por isso na Horta dos Brunos, depois do bombardeamento de pratos e pratinhos, travessas e potinhos, ainda vem um prato principal. O dono escolhe quase sempre. Impinge. Lulas ou vitela. Para arrebentar, diria se pudesse usar expressões destas. Lulas pouco mais do que interessantes – as do Prestige tinham menos gordura – com batatas assim-assim, que não ficam para a história da lula (saudade imensa da lula gigante do Aquário Vasco da Gama, à direita quem entra).
Redenção nos doces, antes do sobressalto da conta. Mas não chega uma deliciosa mousse de chocolate gelada para esquecer o sem sentido de tudo o resto. Não sei se é maior a náusea do modo extorsionário sorridente, se da lembrança de uma mesa com tiras de vitela, ovas chamuças, tudo ao mesmo tempo. E à volta tudo feliz – a comerem vidros a preços de diamante.
Lourenço Viegas

Horta dos Brunos
Rua da Ilha do Pico, 27
**Mau


Time Out, n.º 20, 13 de Fevereiro de 2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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