« Home | Tentações de Goa (4/6) » | Tachadas (4/6) » | Cenário (2/6) » | Stravaganza (2/6) » | Peixe FAQ » | Adega da Tia Matilde (4/6) » | Casa da Comida (4/6) » | Uai (4/6) » | Big Mac vs Whopper » | Cop'3 (5/6) » 

11.6.08 

Vela Latina (3/6)

Vela sem mar

Há coisas que não me decido se gosto, se não gosto. Por exemplo, usar meias até ao joelho. Ou o Restaurante Vela Latina. Acho que o problema é mais da vela, do que da latina.
É gente estranha, a da vela, dos cavalos, da caça. Seitas que fazem da saúde e da natureza a salvação. Peles sempre salgadas, bronzeadas, a arrogância de quem vai ao fim do mundo e volta num suspiro de Deus.
Foie-gras fresco com uvas agradável (fatias demasiado finas – aumente-se o preço), e como cada bago de uva sabe de cor o nome dos dias todos do Verão (Eugénio de Andrade), já este estio entrava pelas janelas, pelas conversas das mesas do lado. Há, sobretudo em Lisboa, famílias para quem nunca deixa de ser Verão: a cor, os sorrisos, a perversidade, a roupa (vestidos à Verão, mesmo com camisolas), a vida num eterno Setembro.
E como o momento gastronómico é para criatividades, há experimentações num cocktail de camarão, em vez do molho cocktail de sempre há um creme espesso de coco e outro de coentros, e os bichos ali no meio estranhamente entranhados. Melhores, os carapaus alimados, simples, como devem ser, talvez a merecerem um azeite melhor. Normais no sabor e recheio, bons na massa, estranho no conjunto, os raviólis de lagostins. Tenho para mim – mas não conto a ninguém – que se um restaurante pusesse na carta raviólis de cocó, ou de gato, metade das senhoras ia encomendá-los. Semiótica, ou lá o que é.
Bom carabineiro, suculento, em cima de um pregado demasiado tratado e de uma fatia de beringela a condizer muito bem, cozida no ponto e na espessura ideal, taco vegetal bastante para duas camadas animais. E a cabeça do carabineiro faz esquecer o resto, calippo dos mares (acho que me estou a repetir), sorvida, trincada, ortolan da costa, suco da vida. A mesa ao lado, olha, enojada, boneca de cera que cerra os olhos, espreme o dorso e eleva (poucos centímetros os ombros) sem largar os talheres.
Os filetes de imperador, num creme de bacalhau e gnochis- uma ideia interessante, um resultado desinteressante. Como ir ao Porto de bicicleta – no tejadilho de um carro. Melhores, os clássicos filetes de pescada, de tamanho generoso e arroz de tomate franco, molhado, saboroso.
O restaurante é transatlântico: ultrapassado (mas com potencial de revivalismo), simpático, lento, caro e com comida oscilante. Fica sempre a dúvida se nas salas não há uma estratificação etária, social e cromática dos clientes, betalhada prá marquise, etc, etc. Como no paquete Vera Cruz. Boas sobremesas.
Mas a maior façanha do Vela Latina é mesmo a de não se ver o mar nem o rio. De ter uma esplanada, salas cheias de janelas e vê-se tanto Tejo e tanto mar como em Chaves. Mas as pessoas juram que o vêem. Só porque vão ao Vela Latina, que é junto ao rio e tem gravuras náuticas nas paredes. É como ter uma audiência com o Papa e não ver o Papa.

***Razoável
Vela Latina
Doca do Bom sucesso


Time Out Lisboa n.º 36, 4 Junho 2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
Powered by Blogger
and Blogger Templates