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7.8.08 

Taberna 2780 (5/6)

Taberna-restaurante-total

Ao sair da Taberna 2780, alguém disse para mim todos os restaurantes deviam ser assim. Estas lamechices ficam sempre para as cobaias que acompanham o crítico (que, normalmente ao lamber os beiços, dizem, Lourenço você traz-nos sempre a sítios cada vez melhores). O crítico é sempre insensível à miséria ou à grandeza do objecto do seu labor (o restaurante, a peça de teatro, o quadro), como o neuro-cirugião para quem um tumor é um tumor, independentemente da sobrevida e do paciente.Mas percebo o que ela disse. A Taberna 2780 é um restaurante total. É característica da pós-modernidade as coisas não serem o que se chamam (sempre quis escrever pós-modernidade). Os casais não são casais, as equipas não são equipas, as cidades não são cidades. A maioria dos restaurantes de Lisboa não são restaurantes. A comida não imbrica no sítio, nem os empregados nos clientes, nem os preços na ementa. E nos poucos restaurantes que o são, cheira sempre a mão de Deus, ou a fruto do acaso e não ao suor das facas (esta do suor é da Agustina).A Taberna 2780 é um restaurante pensado. Em que se cheira a teoria em cada canto, em cada prato, em casa mesa. E não há nada mais prático do que um boa teoria, como dizia o outro. E por isso as coisas resultam bem. A cozinha é simples (a auto-proclamada cozinha experimental incluo na ironia do local) e vai mudando semanalmente. Carne e peixe, em doses pequenas, atum, risoto de polvo (um arroz de polvo mais empapaçado, boa escolha do polvo, sabores a campo no fundo), bom lombo de porco. Simples. Bem apresentado, levado à mesa por um serviço informal e sorridente.Nem parece Lisboa. Talvez por ser Oeiras.Não quer ser como o outro, que sempre que conhecia uma mulher por quem se apaixonava dizia parece estrangeira (e notem a subtileza entre dizer que algo parece estrangeiro e dizer que nem parece português). Mas a Taberna parece um restaurante estrangeiro, moderno sem ser banal, criativo sem cair em lugares comuns, arrogante com autocrítica. Estrangeirado, talvez (numa sala, o problema de Portugal, que é a falta de imigrantes portugueses). É uma bofetada sem luva na jovem tendência de charlatanismo gastronómico, de cozinheiros de livros, TVs e de caterings, que nunca pensaram um prato, que fogem das cozinhas sérias, e que são içados por uma imprensa anósmica de parece-releases e produções fotográficas.Há vinho bem escolhido, há groselha e capilé. Não há refrigerantes.Há mão de pasteleiro nas sobremesas. Cheesecake de queijo de cabra, muito presente nos aromas, a relembrar que cheese quer dizer queijo.Bolo Eusébio, uma homenagem à pantera de chocolate (o que faz a falta de uma vírgula), molhadinho no meio, como elas gostam. Leite creme de tangerina (?) interessante (é tão difícil ser melhor do que o normal), crumble bom (menos puxado do que é costume, varia a fruta em baixo), cada um a dois euros e meio.Na Taberna 2780, a música não destoa (de todas, é esta a faceta mais rara de encontrar num restaurante). Na Taberna 2780, há arrogância com fundamento. E a maior está nos preços: seis euros e meio ao almoço cada prato principal e quinze euros ao jantar cinco pratos cinco (em doses pequenas). Quando os restaurantes da moda cobram cada vez mais por cada vez menos e os custos aumentam, ter um restaurante aberto, cheio, com facturas a aumentar e manter os preços é arrogância a que poucos se podem dar. Deve irritar os colegas.Um restaurante total. Não é a melhor cozinha do mundo, mas é dos melhores restaurantes de Lisboa. E arredores.

Lourenço Viegas

Taberna 2780 *****Muito Bom
Av. Carlos Silva, 9, Oeiras

Time Out Lisboa, Julho 2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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