Taberna 2780 (5/6)
Taberna-restaurante-total
Ao sair da Taberna 2780, alguém disse para mim todos os restaurantes deviam ser assim. Estas lamechices ficam sempre para as cobaias que acompanham o crítico (que, normalmente ao lamber os beiços, dizem, Lourenço você traz-nos sempre a sítios cada vez melhores). O crítico é sempre insensível à miséria ou à grandeza do objecto do seu labor (o restaurante, a peça de teatro, o quadro), como o neuro-cirugião para quem um tumor é um tumor, independentemente da sobrevida e do paciente.Mas percebo o que ela disse. A Taberna 2780 é um restaurante total. É característica da pós-modernidade as coisas não serem o que se chamam (sempre quis escrever pós-modernidade). Os casais não são casais, as equipas não são equipas, as cidades não são cidades. A maioria dos restaurantes de Lisboa não são restaurantes. A comida não imbrica no sítio, nem os empregados nos clientes, nem os preços na ementa. E nos poucos restaurantes que o são, cheira sempre a mão de Deus, ou a fruto do acaso e não ao suor das facas (esta do suor é da Agustina).A Taberna 2780 é um restaurante pensado. Em que se cheira a teoria em cada canto, em cada prato, em casa mesa. E não há nada mais prático do que um boa teoria, como dizia o outro. E por isso as coisas resultam bem. A cozinha é simples (a auto-proclamada cozinha experimental incluo na ironia do local) e vai mudando semanalmente. Carne e peixe, em doses pequenas, atum, risoto de polvo (um arroz de polvo mais empapaçado, boa escolha do polvo, sabores a campo no fundo), bom lombo de porco. Simples. Bem apresentado, levado à mesa por um serviço informal e sorridente.Nem parece Lisboa. Talvez por ser Oeiras.Não quer ser como o outro, que sempre que conhecia uma mulher por quem se apaixonava dizia parece estrangeira (e notem a subtileza entre dizer que algo parece estrangeiro e dizer que nem parece português). Mas a Taberna parece um restaurante estrangeiro, moderno sem ser banal, criativo sem cair em lugares comuns, arrogante com autocrítica. Estrangeirado, talvez (numa sala, o problema de Portugal, que é a falta de imigrantes portugueses). É uma bofetada sem luva na jovem tendência de charlatanismo gastronómico, de cozinheiros de livros, TVs e de caterings, que nunca pensaram um prato, que fogem das cozinhas sérias, e que são içados por uma imprensa anósmica de parece-releases e produções fotográficas.Há vinho bem escolhido, há groselha e capilé. Não há refrigerantes.Há mão de pasteleiro nas sobremesas. Cheesecake de queijo de cabra, muito presente nos aromas, a relembrar que cheese quer dizer queijo.Bolo Eusébio, uma homenagem à pantera de chocolate (o que faz a falta de uma vírgula), molhadinho no meio, como elas gostam. Leite creme de tangerina (?) interessante (é tão difícil ser melhor do que o normal), crumble bom (menos puxado do que é costume, varia a fruta em baixo), cada um a dois euros e meio.Na Taberna 2780, a música não destoa (de todas, é esta a faceta mais rara de encontrar num restaurante). Na Taberna 2780, há arrogância com fundamento. E a maior está nos preços: seis euros e meio ao almoço cada prato principal e quinze euros ao jantar cinco pratos cinco (em doses pequenas). Quando os restaurantes da moda cobram cada vez mais por cada vez menos e os custos aumentam, ter um restaurante aberto, cheio, com facturas a aumentar e manter os preços é arrogância a que poucos se podem dar. Deve irritar os colegas.Um restaurante total. Não é a melhor cozinha do mundo, mas é dos melhores restaurantes de Lisboa. E arredores.
Lourenço Viegas
Taberna 2780 *****Muito Bom
Av. Carlos Silva, 9, Oeiras
Time Out Lisboa, Julho 2008
Ao sair da Taberna 2780, alguém disse para mim todos os restaurantes deviam ser assim. Estas lamechices ficam sempre para as cobaias que acompanham o crítico (que, normalmente ao lamber os beiços, dizem, Lourenço você traz-nos sempre a sítios cada vez melhores). O crítico é sempre insensível à miséria ou à grandeza do objecto do seu labor (o restaurante, a peça de teatro, o quadro), como o neuro-cirugião para quem um tumor é um tumor, independentemente da sobrevida e do paciente.Mas percebo o que ela disse. A Taberna 2780 é um restaurante total. É característica da pós-modernidade as coisas não serem o que se chamam (sempre quis escrever pós-modernidade). Os casais não são casais, as equipas não são equipas, as cidades não são cidades. A maioria dos restaurantes de Lisboa não são restaurantes. A comida não imbrica no sítio, nem os empregados nos clientes, nem os preços na ementa. E nos poucos restaurantes que o são, cheira sempre a mão de Deus, ou a fruto do acaso e não ao suor das facas (esta do suor é da Agustina).A Taberna 2780 é um restaurante pensado. Em que se cheira a teoria em cada canto, em cada prato, em casa mesa. E não há nada mais prático do que um boa teoria, como dizia o outro. E por isso as coisas resultam bem. A cozinha é simples (a auto-proclamada cozinha experimental incluo na ironia do local) e vai mudando semanalmente. Carne e peixe, em doses pequenas, atum, risoto de polvo (um arroz de polvo mais empapaçado, boa escolha do polvo, sabores a campo no fundo), bom lombo de porco. Simples. Bem apresentado, levado à mesa por um serviço informal e sorridente.Nem parece Lisboa. Talvez por ser Oeiras.Não quer ser como o outro, que sempre que conhecia uma mulher por quem se apaixonava dizia parece estrangeira (e notem a subtileza entre dizer que algo parece estrangeiro e dizer que nem parece português). Mas a Taberna parece um restaurante estrangeiro, moderno sem ser banal, criativo sem cair em lugares comuns, arrogante com autocrítica. Estrangeirado, talvez (numa sala, o problema de Portugal, que é a falta de imigrantes portugueses). É uma bofetada sem luva na jovem tendência de charlatanismo gastronómico, de cozinheiros de livros, TVs e de caterings, que nunca pensaram um prato, que fogem das cozinhas sérias, e que são içados por uma imprensa anósmica de parece-releases e produções fotográficas.Há vinho bem escolhido, há groselha e capilé. Não há refrigerantes.Há mão de pasteleiro nas sobremesas. Cheesecake de queijo de cabra, muito presente nos aromas, a relembrar que cheese quer dizer queijo.Bolo Eusébio, uma homenagem à pantera de chocolate (o que faz a falta de uma vírgula), molhadinho no meio, como elas gostam. Leite creme de tangerina (?) interessante (é tão difícil ser melhor do que o normal), crumble bom (menos puxado do que é costume, varia a fruta em baixo), cada um a dois euros e meio.Na Taberna 2780, a música não destoa (de todas, é esta a faceta mais rara de encontrar num restaurante). Na Taberna 2780, há arrogância com fundamento. E a maior está nos preços: seis euros e meio ao almoço cada prato principal e quinze euros ao jantar cinco pratos cinco (em doses pequenas). Quando os restaurantes da moda cobram cada vez mais por cada vez menos e os custos aumentam, ter um restaurante aberto, cheio, com facturas a aumentar e manter os preços é arrogância a que poucos se podem dar. Deve irritar os colegas.Um restaurante total. Não é a melhor cozinha do mundo, mas é dos melhores restaurantes de Lisboa. E arredores.
Lourenço Viegas
Taberna 2780 *****Muito Bom
Av. Carlos Silva, 9, Oeiras
Time Out Lisboa, Julho 2008