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7.8.08 

Great American Disaster (1/6)

O grande desastre

Não é obrigatório. Mas parece que é. Gente jovem mais comida barata mais boa vista igual a restaurantes péssimos. Eis o Great American Disaster, o grande desastre da culinária lisboeta. O Marquês não merecia. Um bife péssimo, com um molho de grossura farinhenta a saber a borras de café, difícil de mastigar, difícil de engolir. A clientela é jovem, mas daí a violar-lhes as viçosas favolas com tão ensolada carne... Em frente um poster da Florida, no prato um hambúrguer murcho. Com queijo, fatia atirada em cima da carne, sem ter derretido, envergonhada como que a esconder aquele aglomerado carnídeo fraquíssimo, ressequida, naquele gesto que nunca percebi bem, de braços cruzados a agarrar os ombros, escondendo um topless que se escolheu fazer (intriga-me a relação de certas mulheres com os decotes que usam, puxando e repuxando as extremas elásticas da blusa para cobrirem o que querem mostrar).E há decotes no Great American Disaster. Se há. E advogados lavadinhos. E malta do banco. Tudo feliz, sem lágrimas. Sem filhos. Sem casa. Sem tempo. Só aquela hora de almoço. As conversas sobre nada. Insensíveis ao serviço caótico, desastroso, com esquecimentos (ainda devem estar na cozinha as duas sopas pedidas...). As piores pizzas de Lisboa, tipo pão, encruadas, sem sentido, uma com banana a saber a lancheira de colégio, os champignons, campeões da lata de hipermercado, mal escorridos, atirados, estilhaços transgénicos.Saladas banais. Agrestes. Frias. Desconchavadas. Saudades da antiga "salada-b", que ali se servia. As minhas sobrinhas a dizerem "tio podemos pedir duas saladas a cada uma". Podemos. Onde isso já vai. As sobrinhas. E o Grande Desastre.Há sempre quando se come mal a raiva do custo de oportunidade. No Great American Disaster, a raiva é maior. Estamos num dos locais únicos de Lisboa, a vista sobre o Marquês, a surpresa do horizonte verde do Parque imenso, os carros em baixo, às voltas, a senhora do Classe A que se lembra que quer ir para a Avenida da Liberdade, o escudo de taxistas em carrossel perpétuo na faixa de fora. A galeria comercial serôdia.Claro que não há nada pior do que voltar onde já se foi feliz. E Pavese, se tivesse aqui comido nos anos oitenta, nessa tardia Idade Média portuguesa em que um diner em Lisboa era como um museu na Buraca e lá voltasse hoje, não teria decerto evitado o suicídio. Hei-de voltar, mas não para comer. Ver as vistas, a meio da tarde. Beber sangria. Tentar voltar a ser feliz.

Lourenço Viegas

Great American Disaster, Marquês de Pombal, n.º 1 213161266
*péssimo

Time Out Lisboa, Maio de 2008.

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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