« Home | Great American Disaster (1/6) » | Pinóquio (5/6) » | Hospital da Cruz Vermelha (4/6) » | Letter to a tourist » | Coliseu Café (4/6) » | Arraial ZIP ZIP (2/6) » | Can Fabes (6/6) » | Vela Latina (3/6) » | Tentações de Goa (4/6) » | Tachadas (4/6) » 

7.8.08 

Zucchero (3/6)

O bem e o mal

O restaurante Zucchero tem coisas boas e coisas más. Normalmente quando se diz que alguma coisa tem coisas boas e coisas más, há sempre um espertalhão, que normalmente é uma espertalhona, que acrescenta, coisas boas e coisas más como tudo na vida. Como sempre na vida, a espertalhona engana-se.Há poucos restaurantes que tenham coisas boas e coisas más, e em que se mantenham, as boas e as más, claramente identificáveis.O Zucchero é confortável e desconfortável. Agrada à vista aquela sala quase quadrada, os artistas de cinema em posters gigantes. Pena é que tenham usado as condutas do ar condicionado para fazer candeeiros. É que, parecendo que não, a sala fica quente no Verão lisboeta.As mesas do Zucchero fazem-me sempre lembrar aquelas cadeiras-mesa que polvilham as salas de conferências dos bancos e das universidades privadas, que se tem que ir buscar o tampo à direita baixa, com um gesto anti-anatómico e pedir desculpa por se ter esfregado a mão na perna do colega do lado e rezar para que os da fila de trás não nos tenham visto o cós naquele agachamento. Este tipo de mesa dá um ar arrumadinho e eficiente ao espaço. Agradável. Mas quando nos sentamos nelas, não cabemos. Deviam usá-las em campanhas de sensibilização para os perigos da obesidade.As pizzas comem-se, a massa melhor do que o conjunto, as saladas são sofríveis. A massa é fina e estaladiça, a escolha de pizzas ampla. E não cobram obscenidades por ingredientes extra como no Caruso (Páteo Bagatella). Também agradáveis são as pizzas enroladas em cilindro longo (talvez em homenagem ao Marquês de Sá da Bandeira, que dá o nome à rua e que perdeu um braço nas lutas liberais). E é de notar um restaurante razoável naquela terra de ninguém, zona de quartéis e de velórios.Os empregados são da Toscânia-Grande-do-Sul, sem excepção. E parece que mandam no lugar. A banalidade do restaurante é abruptamente cortada. Nas sobremesas, Zucchero solta a franga e sai do armário com um gelado de chocolate, azeitonas e anchovas. Totalmente deslocado. As azeitonas fazem uma mistura gira com o chocolate, mas as anchovas dão à ocasião um sabor a partida dos dez anos a uma tia muito surda e cegueta.Não tem multibanco, o que é mau; é barato, o que é bom. Continuo sem perceber restaurantes que não têm multibanco. Claro que sem multibanco é mais fácil a fraude fiscal, claro que sem multibanco é mais fácil pagar a imigrantes ilegais, claro que sem multibanco é mais fácil os empregados roubarem o patrão, claro que sem multibanco é mais fácil os patrões roubarem-se uns aos outros. Mas que Diabo, os restaurantes estão uns pontos acima dos CTT na escala de boas práticas. E mesmo em alguns CTT já há multibanco. O que é bom.

Lourenço Viegas

Zucchero ***Razoável
R. Marquês Sá da Bandeira, 14 (São Sebastião)
Time Out Lisboa, Julho 2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
Powered by Blogger
and Blogger Templates