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7.8.08 

Saldanha Mar (2/6)

Turistar-se em Lisboa

Procuro os hotéis de Lisboa como a casa de um amigo em Roma. Lugares onde se vai, onde se fica, para negarmos a condição que escolhemos. Em Roma quero ser romano, em Lisboa turista. Sempre esta insatisfação. Os restaurantes de hotel em Lisboa são um híbrido de lisbonites que querem ser turistas na sua cidade, e de turistas que não querem deixar de ser turistas na nossa cidade.A lógica é embaralhada com os hotéis de design, ali à Estefânia como quem vai para o bilhete de identidade ou prestar declarações à pêjota. Se não fugirmos pela designação (e design é designar sem ar), aterramos em lugares inóspitos, sem realidade (design mata dasein), salas de espera de dentistas em Marte, cadeiras que se confundem com mesas e restaurantes omo branco mais branco não há.No restaurante Saldanha Mar, no Fontana Park Hotel, à Estefânia, é como se estivéssemos num estúdio de tatuagens que cumprisse todas as normas arquitectónicas e sanitárias da ASAE. E todos os comensais parecem deslocados. Nem turistas, nem lisboetas que querem ali estar para fugir a Lisboa, nem nada. Um presunto não solicitado, de três contos e quinhentos, dezassete euros e meio, salgadíssimo, cortado com demasiada antecedência é posto na mesa, a ver quem cai. No Saldanha Mar (nome mais apropriado a restaurante de casino em Macau), tudo é gorduroso. A carne e o peixe, as entradas e as sobremesas.Tudo tem sabor tasqueiro, abrutalhado, muito louro, muito alho, tudo isto a realçar o branco em volta, a assepsia de um design com dez anos, retro portanto, o picapau escorregadio, desenxabido, recozido como o arroz. Um risotto estranho, camarões panados, mata-gorduras, enjoativos.Nota positiva, bola branca, na dourada, fresca, ainda viva naquele mar de gordura.Vinho servido em copo de cocktail, talheres de peixe nem vê-los, preços de restaurante de hotel. Mas há uma atençãozinha: depois de pagar trinta e tal euros por pessoa para comer comida a saber a alho, ao pagar na recepção fazem um desconto de cinquenta por cento no estacionamento. Cinquenta por cento, um espectáculo, metade. Num almoço, é quase um euro de desconto. Jantares a sete contos por pessoa e descontos de duzentos escudos por carro. A pelintrice poruguesa penetra no mais design dos hotéis.Sobremesas irregulares, um pudim com calda demasiado forte, textura craterizada, a saber a pêra bêbeda. Um serviço cordial, a necessitar de afinações, empregados vestidos à (e parecidos com o) Berardo. Na conta, há uma ténue correspondência entre o que se comeu e bebeu e os artigos descritos, mas é trapalhada inócua - nem fica a casa nem o jogador a ganhar. Fontana Park. Saldanha Mar. Como os países do terceiro mundo que enxameiam as constituições de igualdade e riqueza bem distribuída, e de miséria as ruas, Lisboa é a cidade em que os parques e o mar não passam muitas vezes de nomes de hotel e de restaurante. Hotéis que não servem ao alfacinha, restaurantes que não servem o alfacinha. Nem o turista.

Lourenço Viegas

Restaurante Saldanha Mar ** Mau
Fontana Park Hotel
R. Eng.º Vieira da Silva, n.º 2 (Estefânia)

Time Out Lisboa, Agosto 2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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