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30.9.08 

Il Sorriso (4/6)

Sorriso surpresa

Há uma grande diferença entre os cães e os restaurantes. Os nomes dos cães dizem muito dos seus donos, os nomes dos restaurantes dizem muito dos seus clientes. Quem chama Pituxa a uma cadela, ou almoça no Docemel só pode queixar-se de si próprio. A Pituxa há-de ser mimada, o Docemel banal.
Admito que era o nome, Il Sorriso, que me andava a adiar umas semanas a vontade da visita à trattoria assim baptizada, na R. D. Pedro V. Com os nomes vou antecipando as experiências e a batalha interior é para que a antecipação não substitua a experiência. Uma Mariana, mesmo que atarracada e enfarruscada há-de ter sempre algo da alba musa calma e sensual que antecipei.
O Il Sorriso é um restaurante escuro. Fashion-dark. E logo aqui nega o seu nome. Não tem toalhas aos quadrados verdes e vermelhos, nem música napolitana. Nem, Deo gratias, muitos sorrisos. Os suficientes. Podia ser Lisboa, Londres, NY, ou Toronto (cidades onde há restaurantes com o mesmo nome) – pelos preços. Felizmente também podia ser Roma ou Génova – pela comida.
Comida boa, a quase trinta euros por pessoa, num restaurante com pastas e carnes e peixes (sim, em Itália também comem carne-carne e peixe-peixe) saborosos, sem ser a ementa típica dos pseudo-restaurantes italianos, da pasta com pesto e do pesto com pasta.
Raviolinis com speck e molho, o fumado e salgado do speck a sair da casca do raviolini de boa massa. Uns bifes com molho de pimenta e gnochis, o molho forte a gosto, a carne boa, sem ser a poupar.
De entrada, um vitello tonnato, fatias de carne com um molho de atum e alcaparras, muito agradável, como é sempre este prato (que valeu à antiga crítica do NY Times, Ruth Reichl, um dos erros da sua carreira, quando escreveu que era um prato de atum com molho de vitela...). É uma entrada fria, para calar os sabores fortes do molho que assim congelados deixam que se sinta a carne, ao fundo a a deixar-se aveludar nesta flanela ácida (que saudades do frio e dos lençóis de flanela...).
Mas o que me vai fazer voltar é uma coisa (nunca volto pelo restaurante-conjunto, mas por uma coisa-elemento), uma espetada de lulinhas perfeita (esqueça o molho de pesto que acompanha), pequeninas, redondinhas, cheias de sabor, num pau espetada para comer à mão inteiras.
Sobremesas boas e sobremesas menos boas, na razão inversa da criatividade. Melhor a panna cotta de pêra, menos bons uns morangos marinados.
O Il Sorriso não era o restaurante que tinha imaginado na minha cabeça. Nem na minha boca. Nem na minha carteira.

Lourenço Viegas

Time Out, 27 de Agosto de 2008
Il Sorriso

R. D. Pedro V, 52
**** Bom

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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