« Home | 2009 » | O Polícia (3/6) » | Faz Frio (3/6) » | Kaffehaus (4/6) » | Ibo (4/6) » | Thanksgiving » | Cabeça de porco » | Adega dos Lombinhos (5/6) » | Porto de Abrigo (4/6) » | Il Sorriso (4/6) » 

3.2.09 

Sommer (3/6)

Momento crítico

Abriu em Lisboa, há uns tempos, um novo restaurante. E isto não é novidade. Os restaurantes, como as pessoas, nascem e morrem. Mas abrir um restaurante é parir em Kabul.O Sommer está num momento crítico, e o médico tem de vir à sala, à família, e encolher os ombros naquele jeito arrepiante de quem parece saber mais e pior do que diz. As falhas não são tantas que seja mau, as coisas boas não são tantas nem suficientes para que seja bom. É razoável.E isto era bom, se não fosse mau. É que um restaurante como o Sommer (novo, ambicioso, bonito, feito de gente que pensa a comida) tem que ser bom, senão – certo, certinho – a breve trecho é mau. O gume do razoável é muito afiado para a modernidade. E isto são as más novas.A boa nova é que tudo o que não é bom é patente e parece corrigível (o pior para o crítico, o pior para o restaurante, é quando o que é mau, está difuso, impregnado, blurred).A tranche de garoupa com batata confitada em azeite de alecrim não tinha um pingo, uma ponta, um grão de sal. Excluindo-se opção deliberada do chefe por razão gastronómica, ou dietética, está-se perante um lapso facilmente corrigível: é pôr sal na tranche e esta passa do incomestível ao bom.Menos health-minded estava o lombinho do porco em sangue, muito sangue, e a minha avô lá de cima, o porco sempre bem passado. Uma pena, porque o couscous estava excelente, achouriçado no sabor, solto, pontuado com grelos (de couve?), e o lombo, não fosse a sangria, parecia de boas famílias.Entradas agradáveis e boas: salada de pato confitado interessante e equilibrada, boas vieiras com um purezinho por baixo, muito bom o creme de couve-flor com queijo da ilha, demasiado pesado para algumas pessoas. Os peixinhos-da-horta (não tanto quanto os fish and chips) ficam sempre piores por não serem feitos à antiga portuguesa e perdem-se na tempurização. Linguini com queijo de Serpa escorregadio, nozes ensopadas.Bom taco de bacalhau de meia cura com espargos verdes (bons, no ponto).Bife do lombo com melhor aspecto do que sabor, a ser salvo pelo ovo de codorniz a cavalo (à escala, a pónei). Batatas em paralelepípedo grosso – uma boa ideia, que agora só falta pôr em prática – é que a forma não pode matar a textura e o sabor (o interior esfarela ou encrua).Nas sobremesas, também altos e baixos. Bom o crème-brulée Sommer, acastanhado, parece que sabe a caramelo ou café, mas sem ser demais, a estalar bem. Mousse de chocolate normal, com praliné por cima, mau, a saber a bombom velho, que já fez dois Natais sem sair da caixa.O serviço tem tanto de simpático como de descoordenado - parece que falta chicote, aquele olhar que há sempre nos restaurantes que sobrevivem, alguém que esteja em todas as mesas e nenhuma, e também alguém na zona do passe entre a cozinha e a sala mais atento, mais exigente. O Sommer será o que exigirem dele. E é um favor que lhe fazem. E a nós. É que faltam sítios assim à cidade, sobretudo ao almoço, para nos sentirmos tranquilos, numa sala ampla e bonita, a cheirar o rio e a ver o movimento de uma estação de correios.

***razoável
Rua da Moeda, 1-K

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
Powered by Blogger
and Blogger Templates