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31.12.08 

Faz Frio (3/6)

História do gosto

Só o preconceito nos pode fazer gostar do restaurante Faz Frio. Só o preconceito nos pode fazer não gostar do restaurante Faz Frio. Há restaurantes, pessoas, perfumes, mais atreitos ao preconceito. Uma predisposição preconceitual, sina ou sanha, um destino traçado no tampo da mesa. Sobre nomes e ideias constroem-se sabores, refeições, convívios.
Nisto dos restaurantes atreitos ao preconceito, há os novos e os velhos, e normalmente achamos os novos piores do que são e os velhos melhores do que são. É o depósito da memória a turvar os olhos da crítica. Assim é o homem, com e sem maiúscula, a exigir mais dos filhos mais velhos e abandalhar nos mais novos. Nos matrimónios, idem: as primeiras são galinhas, as segundas são rainhas, lá diz o povo (que quando sentencia é sempre ex-mulher ou viúva).
O problema com o Faz Frio não é o não-conheço-e-não-gosto (sentencio desse modo os novos restaurantes conceitos, abertos em torno do vinho – como se na Tate inaugurasse a excelente exposição em torno das molduras do pós-Guerra). O problema é um conheço-tanto-que-não-sei-se-conheço. Se conheço com boca de ver. Sem pensar em conspiração antiga naquelas saletas de polichinelo.
No Faz Frio, começo sempre por uma sopa alentejana (açorda alentejana), ou sopa de coentros como aparece na ementa. Uma sopa atreita a preconceitos. “Lavagem para porcos”, dizia a minha avó, que Deus a tenha por perto das cozinhas celestes, “a maior invenção do mundo” dizia o meu avô, que Deus o tenha à cabeceira da mesa. A água alhada, o pão que lhe resiste, o ovo a misturar-se (como aquelas imagens de um Sol em expansão, nos canais da tvcabo, no fim do zapping entre a promessa de abdominais fortes e o desejo de esculturas em cenouras). É uma sopa que demora (porque se tem de comer), que ultrapassa o dado da sopa comum (que se deixa engolir). É a sopa contra-natura, estranho entranhamento, que nos atrai. É uma sopa que cura. Uma canja sem canja.
Depois, há sempre um prato do dia, razoável. Petinga frita, bem frita, cujos óleos escondem uma idade menos fresca, ou um calvário até ao prato. Mas é essa a função da fritura (deep-fried é significante mais iluminador).
Também parecia deep-fried a mousse de chocolate, tartaruga de chocolate, carapaça ressequida, cheia de ar.
Pensando com boca de ver, o Faz Frio é um restaurante razoável, nem tanto ao mar de quem sentirá o frio de um aspecto museológico, nem tanto à terra de quem saliva com a ideia nostálgica de uma refeição preparada à maneira de um dos mais antigos restaurantes lisboetas.

Lourenço Viegas

Faz Frio
*** Razoável
Rua Dom Pedro V, 96.
21 346 1860 (fecha aos domingos).
terça-feira, 16 de Dezembro de 2008

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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