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21.7.09 

Taberna Ideal (4/5)

O ideal da esperança

Há coisas muito portuguesas. E não estou a falar da Pina Bausch, exemplo de como um nome (melódico) e uma imagem (sofrida) são elevados a arquétipo cultural, num provinciamento (deslumbramento provinciano) ingénuo e ridículo. Estou a falar da gastronímica, a arte, ou a ciência, que junta o restaurante ao nome da rua. Aliás, é um fenómeno mais lato: a filial portuguesa da empresa espanhola de abortos Clínica dos Arcos é na Rua da Mãe de Água...

A Taberna Ideal é na Rua da Esperança. E qualquer restaurante na Rua da Esperança sai a ganhar. Dispõe bem. Dispõe melhor do que se fosse numa daquelas ruas de profissões extintas, de santos esquecidos ou de um pedreiro de avental (mestre de tachos não gastronómicos) que abichou uma rua logo ali em 1911 – já para não falar em toda a toponímia esquerdalha do poder comunal (Pracetas Catarinas Eufémias, Avenidas do Poder Local).

Não se contentando com a Esperança da rua, a Taberna é Ideal no nome (já estará aprovado o loteamento para a demolida Ideal das Avenidas?). O estilo só pode ser comparado ao de uma antiga taberna por quem nunca entrou numa taberna. Tem muito pouco a ver – e felizmente. É confortável, bem decorada e sem o cheiro a vinho derramado. O nome é assim um acto de pseudo-slumming.
O tom é o daquela moda luso-retro que tem como papisa a Catarina Portas (juram-me que é mentira que vá ser candidata à Junta pelo PS depois de ter ficado com a concessão dos quiosques das bebidas). Um sado-revivalismo esteticamente interessante.
A ementa puxa ao regional (tiborna, xarém, alheiras), as janelas abertas dão ao sítio escuro uma claridade e leveza recomendáveis. Está-se bem na Taberna Ideal.
Os picos de matança com castanhas são banais e off-season, com um condimento muito presente. A carne simples, as castanhas a esfarelar.
Ovos mexidos com alheira de caça, agradáveis. O ovo liga bem com a alheira, bem seleccionada esta, menos bem aquele. Fatia de pão a acompanhar, na grossura certa.
Um xarém de bacalhau muito agradável, com tomate e ervas. Estava para o denso – prefiro-o mais corrido. Mas a densidade era cortada pelos elementos menos tradicionais, que, misturados na proporção certa, com uma lasca e uma cama de milho, davam uma garfada reconfortante.
Uma dúvida, que pairou em cada prato – mas que não sei resolver – é se não estaremos perante uma carta invernosa a que falta um solstício.
Bom bolo de cacau, morangos com chantilly. Uma sobremesa de figos confusa e enjoativa (isto não foi unânime).
No serviço, a simpatia e atenção ao cliente quase que fazem esquecer algumas falhas. Fica a nota de que induzem as mesas a partilhar pratos, nota muito positiva de combate às Tordesilhas que os portugueses desenham em qualquer mesa onde sentam os lusos rabos, muros de Berlim entre o meu-bife e o teu-bacalhau.
O preço de 14 euros por pessoa é o que se diz na rua que custa comer na Taberna Ideal (e normalmente a rua apregoa menos) e corresponde ao que se comeu e bebeu.
Pró que é, é bom. Não se espere mais. Não se transforme em menos.
E, já agora, sugere-se que instalem um multibancozinho, que o excesso de portipicalidade neste caso dá pouco jeito ao cliente.

Lourenço Viegas


Taberna Idela - Rua da Esperança
Bom
****

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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