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20.2.09 

O Madeirense - Amoreiras (2/6)

Sensação Truman Show

Sempre que vou ao restaurante o Madeirense tenho aquela sensação Truman Show. O Truman Show é um filme em que um personagem, sem saber, vive dentro de um programa de televisão desde que nasceu; às tantas começa a desconfiar de que tudo aquilo é encenado. Uma sensação Truman Show é estarmos num sítio e começarmos a achar que à nossa volta tudo é combinado, que não pode ser real. Que alguém, com um walkie-talkie, ou um auricular mandou entrar, antes de nós, uma série de figurantes que irradiam felicidade, e que riem e falam como se fossem espanhóis, e comem espetadas atrás de espetadas.Parece mesmo um cenário. Dentro das Amoreiras, ao fundo, uma portinha típica (estilo Portugal dos pequeninos meets cinecitá) e depois lá dentro um aspecto de saloon dentro de um ferry boat, com apontamentos etno-kitsh.
Mas não é só o cenário de bar de paquete. É a comida. É o preço. Espetada do lombo em pau de loureiro. Nacos de carne tristes, três deles com sabor a crematório, outros tantos menos estorricados. Batatas fritas ensopadas em gordura. Talvez seja melhor a espetada de dez euros, que esta de dezanove... tão pouco por tanto... Banalidade estorricada.E gente, muita gente. Muitas mulheres. Empresárias. Sucesso no feminino, que é sempre mais impoluto, mas mais agreste. Comem os pratos do dia, servidos por empregados (simpáticos, eficientes, trabalhadores, incansáveis) vestidos em trajes típicos da Madeira, o que causa aquele desconforto de feira-medieval, aquele constrangimento de festa de Natal da quarta classe.Os restaurantes típicos são como as exposições mundiais. Coisas de outros tempos, antes da invenção da fotografia, da televisão, da internet.E no prato, uns filetes de peixe-espada, que abstraídos do prato em que vieram à mesa quase que alcançavam um razoável patamar, mas destruídos por um molho de maracujá. Sim, molho de maracujá, líquido. Se qualquer líquido mata quaisquer filetes (e aqui ainda ficamos pelo domínio da física, da química e da hidráulica) um molho de maracujá torna a experiência grotesca (e aqui entramos na gastronomia).
Pode dizer-se que há muita gente que gosta. Não duvido. Há quem leia Paulo Coelho, há quem veja o Prós e Contras. Há até quem não coma sopa. Mas basta fechar os olhos; salivar um pouco; pensar no sabor de filetes de peixe; o que vem a seguir na boca? Arroz de tomate? Maionese? Molho tártaro? Vinho branco? Qualquer coisa. Tudo. Tudo menos molho de maracujá (cítrico-exótico). Já nem refiro as míni cenouras, clonadas, parecidas com aquelas que se compram na secção de congelados de uma qualquer grande superfície, nem à banana práli atirada.
Com o café vem um pastel de nata. Bom na coisa, péssimo na atitude. É que cobrar por uma gourmandise não solicitada que se oferece com o café é uma pelintrice injustificada em qualquer restaurante em qualquer parte do mundo, ainda menos justificada quando se cobra mais de trinta euros por pessoa (já chegámos à Madeira, ou quê?). Ninguém diz nada. É "o" Madeirense. Pois.Sai-se. Fecha-se a portinha. Lá atrás ia jurar que uma voz grita corta, aos vossos lugares.

Lourenço Viegas

O Madeirense (CC Amoreiras)

Mau **

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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