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4.5.09 

Spot Chiado (4/6)

O problema dos verbos de cópula na restauração

Moda fora de um contexto estatístico é obsceno. Obsceno sem qualquer advérbio de modo. Toda a moda é o modo de sermos medianos. Mas oh Lourenço, as revistas onde escreve, os textos que escreve não se integram no universo do fazer e dizer a moda? Mais ou menos. Cá vai um exemplo a modos que ilustrativo. O roxo e o restaurante Spot do Chiado. Quando se diz que este ano está na moda o roxo é dizer, já se sabe, eu este ano vou andar de roxo porque toda a gente anda de roxo. E por que é que toda a gente anda de roxo? Porque o roxo é em si melhor do que o verde? Porque o roxo é em mim melhor do que o verde? Não. Porque o roxo é, está e mostra-se, nos outros. A moda explora as inseguranças. Só há moda do que se vê: não está na moda, ao fazer xixi, segurar a pilinha com o indicador das duas mãos (grip pauzinhos chineses) ou fazer uma tatuagem nas amígdalas.O Spot no Chiado está e é da moda. Na moda, e sobretudo na moda dos restaurantes, ser e estar andam normalmente associados. O desafio é o continuar permanecer (o pleno dos verbos de cópula). Porque os restaurantes não se pagam na moda, eles têm que sobreviver e só sobrevivem os bons (o break-even é sempre depois da moda). E o spot vai no bom caminho.O Spot do chiado funciona ali no teatro S. Luiz, ao lado. Não é preciso entrar no Teatro, felizmente (das coisas que mais me custa é ir ao restaurante de um sítio sem ir ao sítio - ir à Gulbenkian almoçar, sem ir à Gulbenkian - vejo o olhar de reprovação-condescendência dos securitas, como quando o olhar que pousou dois segundos mais num decote redondo sobe pelo vale, pescoço, queixo e encontra, também por breves momentos, uns olhos).O Spot é calmo, amplo e goza da graça de a sala estar um pouco rebaixada em relação a uma antecâmara da entrada. Vê-se a rua, a excitação das pessoas que chegam (normalmente bonitas e elegantes, habitantes de uma pós-moda em que já não se veste roxo, basta ir ao Spot). Isto enquanto se trinca o foie-gras fresco corado ou se recome a bica do sapato. Bacalhau fresco sobre à Braz, ou seja, as batatas em palito com ovo e cebola por baixo e uma posta de bacalhau fresco são sempre agradáveis, sobretudo depois de um começo com espetadas de camarão e molho exótico que deixaram tudo em aberto.Decoração genericamente agradável (embora os candeeiros tenham gravadas citações sobre teatro, o que me permite usar, finalmente, uma das mais ricas palavras do português, foleirote), serviço educado (sem arrogâncias – embora tenham percebido que o meu fato era da Maconde), simpático, a precisar de mais rapidez e atenção.Há acertos que se podem fazer: a bochecha de porco precisava de mais tempo e de menos espuma de batata.Mas a vantagem suprema está em agora haver um restaurante ali no Chiado que é restaurante (ou seja, não é café) e é bom (não é o disparate pegado de cadeias pseudo-japonesas, ou tascas de moelas para turistas). Bons hamburgers. Sobremesas excelentes. Espero que o strudel de banana lá continue, para lá da moda.

Lourenço Viegas

Spot (Teatro S. Luiz)

****Bom

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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