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20.10.09 

Fortaleza do Guincho (5/5)

A Fortaleza do Guincho é dos restaurantes com melhor alta-cozinha em Portugal. Sólida, constante, profunda. Uma cozinha de fogão e não de papel de jornal ou revista. Pouca invenção oca. Chef ou chefs que estudaram, praticaram, viram e comeram, antes de porem no prato coisas pensadas e testadas.
Na Fortaleza do Guincho, fico sempre intimidado pela fortaleza. Como se estivesse a entrar de dia numa discoteca construída sem licença nos arredores de Peniche, daquelas que aparecem nas notícias quando é morto o segundo cliente do mês por um segurança, ou o contrário. O ideal era entrar directamente para a mesa (mesmo o hall, se pudesse, passava) de cabeça tapada...
O nome também não ajuda (mais apropriado a venues s&m). Nas paredes, pouco sentido fazem as imitações de quadros famosos (imitações só talvez façam sentido quando os originais estão no cofre, ou na parede de algum museu). De resto, é tudo quase perfeito. A sala, como certas mulheres, é menos séria do que parece.
Os empregados articulados, profissionais de simpatia, a aparecerem só quando detectam qualquer falha naquelas mesas bem postas. Um pão excelente, uma manteiga a condizer. A vista atlântica, cabine no mar a deixar terra, o verdadeiro oceanário. Um restaurante para a estocada final num contrato difícil de fechar, numa mulher difícil de ganhar (abrir, significando começar, contrastaria com o fechar, mas pareceria brejeiro).
Um borrego excelente, estaladiço, no ponto certo, com sabores de alecrim e funcho a envolverem, bons legumes guisados. É bom comer borrego a ver o mar. Ou não é tão estranho como pareceria. Borrego normalmente pede chuva a metralhar árvores, terra húmida, vento. Mas não é isso o Guincho, a areia, as ondas, a ventania.
Os peixes sólidos, o robalo cozinhado com elementos da terra (girolles, louro, batata), fresco, real, a manter o sabor.
Na maior parte dos restaurantes que entram nas modas e nas ondas, as sobremesas deixaram de ser reais e passaram a ser um pretexto para um nome e um prato de boa aparência a saber a açúcar e a fruta. É um pouco como o que está a acontecer à arquitectura, em que às casas de viver, se prefere um estilo cabine de tradução simultânea, caixas de sapatos com frisos rasgados a fingir de janela junto ao telhado. Na Fortaleza do Guincho, a sobremesa ainda é de comer.
A tarte fina de marmelos confitados com um gelado de baunilha e molho de marmelo, pequena, redonda, os marmelos em escama, símbolo de perfeição e sabor de redenção.
Brioche assado com cerveja e pêra assada que anima a alma sempre em busca de sobremesas- -comida (o gelado do cerveja que acompanhava surpreende, mas não convence). E a melhor sobremesa de café, uma geleia de café e caramelo, com streussel de chocolate, leite com cacau e gelado de moka.
Num copo cónico de vidro (se me recordo bem), todas as minhas faces do café, todas as idades, todos os momentos, em camadas, que com a colher pazinha de arqueólogo podemos separar ou misturar.
É à volta de cem euros por pessoa, meia hora para lá, meia hora para cá, cinco estrelas sem qualquer dúvida.
Lourenço Viegas

Fortaleza do Guincho
Estrada do Guincho, junto à praia do Guincho (Cascais)

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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