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22.9.09 

Brasserie Flo (3/5)

Mesolítico. Sexo. Diarreia. Pérola. Poucas palavras são tão ricas em sentidos e imagens como ‘ostra’. Ostra é uma sonoridade séria. A concha e o corpo da ostra são sérios. Tons deslavados. É como olhar para os olhos do avô, com cataratas, depois de tomar LSD. Em Portugal comem-se poucas ostras. É um nunca experimentei mas não gosto. Arrisca-se pouco. A malta tem nojo. Compreende-se. Uma ostra é uma escarreta a saber a mar envolvida numa pedra rafada. Ostra é lostra.
A coisa melhor da Brasserie Flo foi ter devolvido as ostras à cidade, dez mil anos depois de os concheiros as devorarem espalhados pelo mesolítico (a pré- -história é sempre lugar e não tempo, mapa e não calendário), ao longo do Sado. E vieram estas ostras de torna-viagem pelas mãos francesas, para uma das salas mais agradáveis da capital, o antigo Beatriz Costa do Tivoli. Foi uma jogada inteligente. Um restaurante-marisqueira-cervejaria, com posters de filmes nas paredes (non sense). Chefes de sala que franzem os sobrolho quando não se traz reserva como se fosse difícil em tempos de crise e no Verão uma mesa disponível numa sala meia vazia. Aliás, a pergunta é sempre imbecil, já que a malta que reserva gosta de exibir sonoramente a reserva logo à chegada – uma mesa para quatro em nome de Bernardo Gusmão, está marcada (leia-se a minha estagiária telefonou).
Quem não fala e pede uma mesa não tem reserva. É o oposto dos consultórios médicos. Na Brasseire Flo há muitos tipos de ostras. E se há coisa que Portugal tem bom são as ostras de Setúbal. Carnudas, esverdeadas, portuguesas. Não sei se sabem mais a rio se sabem mais a mar. Altas, mais dóceis ao garfo que as repuxa inteiriças.
As ostras são perigosas. Podem intoxicar. Arrepios, diarreia, febre, suores. Tudo vem do cuidado na escolha do produto. Uma espécie de roleta russa do gosto. Não há apreciador de ostras que não tenha passado uma tarde em sofrimento. Os clientes do Fat Duck que o digam (eleito pela imprensa deslumbrada como o melhor restaurante do mundo fechou recentemente por sistematicamente intoxicar os clientes com ostras – é a versão oficial, pelo menos). Na Brasserie Flo, correu tudo bem neste ponto.
E uma degustação de ostras por 17 euros é justo.
Há quem invente: limão, vinagretas. Tretas. Ostra é ostra pura e crua, como Deus a fez. Por vezes bebo a água que fica no graal. Outras vezes, não. Depende se está muito salgada ou não. Nada de champanhes, ou cervejas. Uma vida de ostras tende para a ascese.
As outras comidas da Brasserie Flo alternam entre o razoável e o bom, sempre muito caras. O risotto de vieiras estava agradável – mas de quanto vale uma vieira depois duma ostra? O onglet banal. A choucroutte pesada. Nas sobremesas, Baba Bouchon com rum muito bom, aberto ao meio e regado; mousse de chocolate branco sem história.
Serviço à antiga portuguesa. Tenso, discussões abafadas entre empregados. Pouca comunicação entre os sectores.
Sala grande e agradável. Gente que gosta de ser vista com a gente com quem está. Entre, e embebede-se de ostras. A qualquer hora, porque o restaurante não fecha. Se ainda tiver fome, vá jantar a outro lado. Mas atenção, comida depois de ostras é Sumol depois de xerez.
Lourenço Viegas

Brasserie Flo
Avenida da Liberdade, 185 (Hotel Tivoli)
Lisboa

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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