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19.1.10 

Tasca da Esquina (5/5)

Só sei que gosto realmente de alguém quando passo a gostar do que não gostava. Tive uma mulher que foi coentros. Outra foi sandálias. O Vítor Sobral foi Campo de Ourique. Ali, entre a Domingos Sequeira e a Saraiva de Carvalho, está a Tasca da Esquina, que me reconcilia, a cada almoço, a cada jantar, com um bairro com que sempre embirrei.
Tenho dois problemas graves com o Vítor Sobral. Um é que nunca sei se Victor é Victor com c e sem acento, ou se é Vítor sem c e com acento. O outro é que não consigo deixar de achar que o seu último restaurante é sempre melhor do que os outros. E, já que penso nisso, o segundo problema são dois problemas (e por isso tenho ao todo não dois mas três problemas) – é que esse restaurante é melhor do que os outros-dele, mas também do que os outros-dos-outros.
É como com a Carla Bruni (e foi a maneira de usar como e Carla Bruni apenas a quatro caracteres de distância, sem espaços, porque caracteres com espaços eram mais) com quem também tenho dois problemas. Com a Carla Bruni também nunca sei se é Bruni com um n ou Brunni com dois ns. O outro problema com a Carla Bruni é não saber se gosto mais de a ver se de a ouvir. Quando a vejo é claro que é de ver que eu mais gosto; quando a ouço é claro que é de a ouvir, aquela voz arrastada direita à hipófise, que canta só para nós...
A Tasca da Esquina são duas salas, uma de entrada com mesas altas, um balcão à esquerda e uma cozinha à vista. A outra é uma marquise, ou coisa que deve ter um nome arquitectonicamente mais sexy (mas para termos de arquitectura, há praí críticos gastronómicos que são verdadeiros Corbusiers). Marquise no bom sentido, uma sala de tecto mais baixo, percorrida com janelas, em que se pode comer agradavelmente. E isto é que surpreende à partida nos restaurantes de Vítor Sobral, é que são sempre agradáveis de lá se comer. Mesmo no Terreiro do Paço, meio desengonçado, meio escuro, com aquela escada a meio, queloide de transplante de coração, era agradável lá estar.
Se chove, estamos ali como num escafandro, se faz sol, como num carro com ar condicionado, a ver o mundo lá fora e a organizar o mundo cá de dentro a cada garfada de um camarão com alho, excelente, em dose de tamanho certo. Enchidos bem escolhidos, requeijão macio. Berbigão fresco, com líquido por dentro, sem ser preciso estar numa esplanada de praia. Bolo de chocolate fofo, sem farinha, sem encher, mas sem ser de ar, e um pudim abade de priscos, rico, homogéneo. Na Tasca da Esquina há três hipóteses (uma carta com pratos mais substanciais e clássicos do Chef – a raia é sempre uma boa hipótese), um menu de petiscos (em várias incursões, só tive um percalço com uns rabinhos de porco demasiado duros – devem ser a desfazer-se, para chupar), ou, então, deixar-se nas mãos do chefe e da cozinha, que eles tratam de si, escolhendo quanto se quer gastar, 15, 20, 25, ou 33 euros. O que varia é apenas a quantidade de comida, sempre a uma qualidade excelente.
Como é o último, a Tasca da Esquina é o melhor restaurante de Vítor Sobral e dos melhores de Lisboa. Ali é que ele começa a ser quem é. Vítor Sobral é um chef de gaveto, porque Portugal é cozinha de esquina. Já escrevi que vejo Vítor Sobral, o grande chef, numa cozinha de aldeia, fumegante, com cinco ou seis quartos para dormir, lareira enorme. A Tasca da Esquina pode bem ser a sua última paragem em Lisboa, rumo à paisagem. É aproveitar.
Lourenço Viegas

Tasca da Esquina
Rua Domingos Sequeira, 41C (Campo de Ourique)
Lisboa

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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