« Home | Tasca da Esquina (5/5) » | Casa da Comida (4/5) » | Fortaleza do Guincho (5/5) » | Cantinho das Freiras (3/5) » | Brasserie Flo (3/5) » | Uma espécie de chinês (4/5) » | Casa México (2/5) » | Chamuças (Ali kebab house) » | Cova Funda (4/5) » | Taberna Ideal (4/5) » 

26.1.10 

100Maneiras (4/5)

Há palavras que valem mais do que mil palavras: low-cost e sem maneiras. Tudo isto a propósito do 100 Maneiras no Bairro-Alto, na Rua do Teixeira. Low-cost porque uma refeição de baixo-custo custa o preço médio de um voo low-cost para Bruxelas (quase cinquenta euros – com vinho). Sem maneiras, porque não há cem, mas apenas uma maneira de comer naquele restaurante de menu único (que vai variando).
O começo, com o bacalhau desideratado (com dois ee), num estendal, lembra- -me um tio que tive (com o relaxamento de costumes das últimas décadas, uma irmã de mãe pode dar-nos numa vida tantos tios como carros) que com o mesmo truque de cartas surpreendia sempre. Desta vez, o bacalhau soube mais a bacalhau, o molho ligou melhor. E lembra-me como é bom a roupa no estendal, chapa de um país em que ainda há pessoas que lavam e torcem e estendem e apanham e passam e dobram e arrumam e escolhem a roupa para outras, num acto de entrega repetido, menorizado por culturas latitudinalmente superiores onde não há sol, nem casas, nem lençóis de cima, nem nódoas de azeite de bacalhau na camisa.
Depois, uma sopa de lentilhas com caril e espetadas de chouriço envolto em pão fino. A sopa agradável, mas menos saborosa do que devia, algo baça, que a lentilha é como a libanesa, sempre precisa de uma faísca para que a beleza de base não se apague no meio de um exotismo pastel tão ocre e tímido.
O oposto desta indefinição numa sopa de cavala fumada com caviar e natas azedas, com rúcula emulsionada, excelente. A base muito ómega3 (é escusado nos emails de insulto ao crítico dizerem que o ómega3 não sabe a nada, que ele sabe), gordura de peixe, substancial, aveludada. Em cima, as bolinhas de caviar, com as natas a cortar, a rúcula meio a enfeitar, meio a cortar, meio a puxar o sabor para cima na escala de graves e agudas da música que ouço na câmara da boca quando como pratos destes.
Excelente garoupa em caldo de amêijoas, simples.
Depois, um shot de espuma espumante (?) para limpar o paladar. Técnicas de catering de tenda de festas em Caldas da Rainha, mesmo antes dos noivos projectarem um powerpoint com fotografias do passado, ela bem boa naquelas férias com os primos em Altura – ele ainda com sapatos de verniz no casamento do tio mais novo, mostrando urbi et orbi uma modéstia que um curso e profissão de sucesso tentam esconder. Preparar o paladar numa refeição, como limpar antes de uma nova relação, são técnicas de ruptura que renegam a unidade da refeição, a justaposição de sabores, o sentido do todo.
Ainda por cima, limpar antes da carne, só realçou que aquele borrego, médio-mal passado, com uma crosta de pistáchio, interessante, lembrava demasiado o celofane amarelo que não queria largar o nógá no intervalo da tarde de domingo. No 100 Maneiras, a carne nunca acompanha o resto.
Pré-sobremesa (conceptualização de pacotilha) foi uma excelente mousse de requeijão e abóbora. Melhor do que a pós-pré-sobremesa, uma desconstrução de pastel de nata com café, uma incursão no pior da cozinha da moda, uma esfera de café desagradável, o resto com pouco sentido.
Sem escolha e a preço elevado, o 100 Maneiras não deixa de ser um bom restaurante, dos poucos em que o ambiente e a atitude são salvíficos de uma comida com oscilações. O ambiente é descontraído e muito agradável, o serviço sem caganças e com maneiras.
Lourenço Viegas

100Maneiras
Rua do Teixeira, 35 (Bairro Alto)
Lisboa

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
Powered by Blogger
and Blogger Templates