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23.3.10 

Meste Zé (2/5)

Quanto mais penso, mais me convenço (se a frase acabasse aqui também não era mentira) de que, como os restaurantes, só há mesmo o teatro. Há encenadores, há actores, há dramaturgos, há espectadores, há palco, há críticos, há tudo. Só faltam palmas no restaurante e gorjetas no teatro.
O Mestezé, na estrada do Guincho em cima do mar, é o restaurante-revista. Ir almoçar lá não é ir a um restaurante. É chegar e ser saudado por um guarda-carros (que está para os arrumadores como as tradicionais bruxas estão para as tarólogas de unha pintada), um resquício de um país em que poucos tinham carro e poucos se podiam dar ao luxo de ir almoçar à linha. E cuja singularidade era devidamente assinalada ao dono pelo guarda--carros logo à chegada.
Lá dentro, siga a revista. Salas e varanda em dois planos, em tons de verde, num estilo Feira Popular de Lisboa (eterno descanso) com um face-lift Cascais anos 50, ou estilo Caparica-na-Linha.
O serviço é verdadeiramente português: matreiro quando impinge marisquinho e desarmante quando avisa que a sopa de espargos é de pacote. Sopa de pacote, dependendo do berço, pode até ser homely, e fazer uma sopa de pacote tem a sua técnica. Mas não joga. Será preguiça? Blague? Ou seria de lata e não de pacote e, neste caso, ainda um resquício da sopa Campbell’s de espargos como luxo?
Adiante. Um pregado frito interessante com uma açorda bem escura, o mar lá em baixo, a vantagem de o restaurante não se ver do próprio restaurante, as mesas com famílias trans-geracionais, senhoras laqueadas (falo de cabelos e postura, não de entranhas) com leve travo a naftalina e pó de arroz. Famílias clássicas (ou seja, entre avós e netos o plantel foi renovado), criançada, pré-adolescentes loiríssimos que conseguem comer bife sem largar o telemóvel e ir sorrindo para a avó, tudo ao mesmo tempo.
E o linguado com banana? É correr antes que acabe, como a Feira Popular. Linguado delícia, um prato que tem a característica de muita gente pensar que é uma invenção portuguesa (afinal, esta coisa de se copiarem pratos do estrangeiro, jogando com a lusa incultura gastrológica, tem mais de cinquenta anos), mas que estava já no Escoffier (sole caprice). Os filetes tinham o dobro da espessura normal do linguado, mas até os ajudava a sobreviver naquele mar de manteiga (Exxon Valdez da Mimosa). A banana quente, frita, e a manteiga, juntas, são um pequeno fetiche da minha boca, mas que sei pouco exportável para os padrões actuais de deguste. E aqui abusaram da gordura.A sinceridade continua. Sobremesas que aconselha? “Nada de especial, são todas normais”. E eram.
Mas, como aquilo é uma experiência e não um restaurante, há também fotógrafo a tirar fotografias (será que a máquina era pré-digital?) e a criançada perguntava aos avós por que é que aquele senhor tirava fotografias e os avós tentavam explicar, e os netos diziam que sim, com aquele sim das crianças que quer dizer não, que sabe que hoje toda a gente tem uma máquina no telemóvel e na carteira....
E depois o nome Meste Zé, a contracção piadética, que deve ter uma história por trás, sempre a lembrar o Sôzé do avião Sá Carneiro – ou do Saca, já que estamos em contracções –, que puxa sempre ao diálogo bem--disposto, vamos ao Meste Zê? e alguém que não conheça diz ao Mestre Zé, e vamos nós e dizemos não é Mestre, escreve-se mesmo Meste....Se não se importar de pagar muito para uma experiência que vai acabar é ir ao Meste Zé. É liiiiiiiiiiindo.
Lourenço Viegas

Meste Zé
Estrada do Guincho

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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